Gestoras correm para atender nova demanda do investidor por risco

Assets têm reforçado suas estruturas e criado fundos para atender o crescente interesse dos brasileiros por produtos mais sofisticados

Com a Selic na mínima e o movimento de migração do brasileiro para aplicações de maior risco, gestoras de recursos têm reforçado suas estruturas e criado fundos para atender a demanda crescente. A percepção é que, se a saída das alternativas de renda fixa tradicionais ganhar velocidade, vai faltar produto. Além de o ambiente macro ter propiciado a multiplicação de assets no Brasil nos últimos anos, as que estão na estrada há anos têm se mobilizado para fazer frente à concorrência pelo bolso do investidor.

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Claritas, AZ Quest e IP Capital Partners são alguns exemplos de gestoras que estão colocando fundos novos na rua. A Inifinity Asset trouxe executivos do mercado para adicionar fundos de maior volatilidade à sua grade e não se limitar às estratégias ligadas a juros, que sempre foram sua especialidade. A Perfin estreou recentemente um fundo de infraestrutura na bolsa, um tipo de diversificação bem-vinda para o negócio que nasceu em 2007 com a gestão tradicional de ações.

Depois de um 2019 em que todas as classes de ativos deram bons resultados, incluindo a renda fixa, a percepção é que haverá, a partir deste ano, um deslocamento grande de dinheiro para alternativas de maior risco, afirma Walter Maciel, executivo-chefe da AZ Quest.

A Selic na casa dos 4% ao ano obriga o investidor a fazer um esforço maior de poupança, trabalhar por mais tempo ou tolerar mais volatilidade para atingir objetivos de longo prazo, como a aposentadoria. “Essa é uma educação financeira que vai acabar funcionando na prática, muito mais pela experiência do que pelo conhecimento teórico”, diz Maciel.

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Conforme calcula, uma pessoa que quisesse ter renda de R$ 10 mil na aposentadoria teria que contribuir com R$ 1.736 por 30 anos quando os juros reais estavam na casa dos 6% ao ano. Com a taxa a 4%, ou prazo teria de aumentar para 37 anos ou a contribuição teria que ser incrementada em 40%, para R$ 2.468. Com ganho real da ordem de 2%, aumentaria em 14 anos o prazo ou em 70% o valor da contribuição. Ou seja, o esforço financeiro ficou muito maior.

Com R$ 19 bilhões sob gestão, é na área de previdência que a AZ Quest tem no forno três novos fundos, em parcerias com a Icatu Seguros e a Zurich Seguros. No primeiro caso, há um fundo de inflação que faz gestão ativa nos diversos vencimentos de NTN-B, e outro só de ações. Com a Zurich, a gestão vai reunir duas estratégias da casa numa só carteira, com alocação direcional e de valor relativo. O portfólio vai contar com o capital inicial do Santander, mas vai chegar também a outras plataformas, diz Maciel.

A gestora também acabou de lançar um fundo de renda fixa de juro real, e outros espelhos (que replicam a estratégia original) com XP (renda fixa/crédito privado, multimercado com crédito grau de investimento), Brasilprev (multimercado macro adaptado à previdência), e Guide (long/short direcional).

O investidor institucional ainda tem uma distribuição de carteira que reflete um país de altos retornos na renda fixa, e se ficar parado vai ver o seu rendimento encolher, porque os juros vão permanecer baixos ou ter altas apenas modestas, diz Helder Soares, diretor de investimentos da Claritas.

“A tendência é a realocação de ativos permanecer por dois ou três anos”, afirma. “E hoje tem muito fundo fechado, há poucas ações na bolsa e o segmento de fundos imobiliários mostrou que não tem profundidade para uma realocação rápida”, acrescenta, referindo-se ao tombo de alguns portfólios neste início de ano, após a forte valorização de 2019.

Crédito e previdência

Fundos de crédito e de previdência também compõem algumas das novas ofertas da Claritas. A gestora negocia com várias seguradoras e dessas conversas já surgiu uma parceria com a Porto Seguro para colocar na rua uma versão de previdência do fundo “long biased” (que calibra a exposição em ações conforme o cenário).

Em crédito, segmento em que atua há dez anos para a sua base interna de alta renda, a decisão foi fazer uma versão para o mercado do portfólio que vai privilegiar ativos com boa classificação de risco (“high grade”), para a parcela conservadora da carteira do investidor.

Especializada em ações, a IP Capital Partners, uma das gestoras independentes mais antigas do mercado brasileiro, criou na estrutura de um multimercado um fundo dedicado à bolsa que em breve chegará as plataformas de investimentos. Com classificação tributária de fundo de ação, o desenho foi pensado para o público que vai se auto-servir, diz Carolina Lamas Barbará, responsável pela área de relações com investidores.

Essa carteira vai importar o histórico do IP Value Hedge, que existe desde 2006 e era destinado ao investidor qualificado. O fundo “busca bater de lavada o CDI”, diz a executiva. Com volatilidade relativamente menor — 6% nos últimos 24 meses — do que um portfólio de ações típico, a estratégia funciona como um “long short” direcional, que faz arbitragem de ações e também abarca ativos no exterior. Outro produto que está nos planos, antecipa Carolina, é um fundo de previdência, e já há conversas com algumas seguradoras.

A Perfin estreou no mercado de gestão de recursos em 2007 como uma casa de ações com perfil fundamentalista e só em 2016 colocou um pé mais firme na economia real, com fundos de participação em projetos de energia limpa. O desfecho desse movimento foi a estreia no mês passado, na bolsa, do Perfin Apolo Energia IE. Fruto da consolidação de cinco carteiras criadas para ser parceira da Alupar nos leilões de linhas de transmissão de energia realizados pela Eletrobras entre 2016 e 2018, o IPO colocou a gestora num novo patamar, diz Alexandre Sabanai, sócio-gestor da casa.

“Do ponto de vista da Perfin como negócio, esse braço de investimentos ilíquidos perpetuou a empresa. Antes, só com a célula ações estava sujeita aos movimentos cíclicos, obviamente sentimos os ciclos [de baixa da bolsa] de 2008, depois 2014 e 2015, que foram muito intensos”, afirma Sabanai. “Agora, quando se levanta recursos ilíquidos, com ‘lock-up’ de 15 anos, renováveis por mais 15, é um primeiro passo no sentido de perenizar o negócio.”

Com patrimônio de R$ 3,7 bilhões no total, diferentemente do private equity tradicional, em que os fundos compram participação majoritária e embarcam na companhia com seu time de gestão, esse braço na Perfin se posiciona como um “soft private equity”, prossegue o gestor. “Mal comparado, lembra a cabeça do [Warren] Buffett, na Berkshire Hathaway, de comprar sociedades de ótimos parceiros operadores.”

Fundada em 1999 por David Fernandez e com uma trajetória dedicada a estratégias com juros, a Infinity Asset se moveu para ter uma base mais diversificada de produtos, com maior volatilidade. “Por mais que tivéssemos fundos com histórico bom e vencedores, analisamos a forma como o mercado de asset vinha crescendo com melhora da economia, a queda dos juros, e chegamos a conclusão que por melhores que fossem nossos produtos não atendiam à demanda”, diz Fernandez.

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