Autoconhecimento e empatia são fundamentais na busca pela felicidade

Especialistas dão dicas para prevenção ao suicídio em meio ao Setembro Amarelo

Os jovens entre 18 e 24 anos foram os que mais reportaram ter a saúde mental afetada durante o período de pandemia de Covid-19, segundo uma recente pesquisa divulgada pela Pfizer. A Organização Mundial da Saúde estima que uma pessoa morre por suicídio a cada 40 segundos no mundo e essa é a segunda principal causa de falecimento de jovens entre 15 e 29 anos. “A grande maioria dos casos de suicídio está relacionada a transtornos mentais. A depressão é a que tem o maior predomínio, em seguida o transtorno bipolar e o abuso de drogas. Porém, de forma situacional, existem outros fatores de risco para o suicídio, como desemprego, autoestima baixa, conflitos nos relacionamentos, entre outros fatores que podem afetar diretamente o nosso bem-estar e saúde mental. Por isso, falar sobre o assunto de saúde mental é importante nos tempos atuais, quanto antes normalizarmos a importância do tema, antes poderemos entender como sociedade o que precisamos evoluir culturalmente para promover uma sociedade mais saudável e, assim, evitar que esses dados continuem alarmantes”, explica Stephanie Crispino, CEO da Tribo Global.

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Na visão de José Pedro Vianna, Fundador de A Escola das Emoções, a ascensão das redes sociais pode também ser um dos impulsos para uma maior recorrência de casos. “Esse número [de suicídios] cresceu na pandemia, porém, já vinha aumentando nos últimos anos. Percebo que a partir das redes sociais se criou uma ditadura da felicidade, há uma pressão enorme de ‘ser feliz’ o tempo todo. Os jovens – faixa etária onde ocorreu o maior crescimento em número de casos – estão submissos às redes sociais de tal forma que a realidade deles está quase que totalmente submersa no mundo virtual. Nesse meio-ambiente, as pessoas apresentam suas conquistas, seus momentos de alegria, e todos aparentam estar felizes, satisfeitos, realizados. Quando essa felicidade virtual é comparada com uma vida cheia de altos e baixos – às vezes mais baixos que altos – a sensação é de incompetência. Cria-se um abismo entre o mundo ‘feliz’, idealizado, e o mundo interior real. Portanto, a mente gera uma necessidade impossível de ser satisfeita e uma autocobrança excessiva. O resultado é uma frustração e auto invalidação”, explica. José Pedro lembra ainda que o desemprego ou condições precárias de vida geram medo, ansiedade, cansaço. “Esses sintomas quando não são devidamente tratados podem se agravar para quadros de depressão, pânico. Essas sensações são por demais desagradáveis e também podem levar ao suicídio”, completa.

Repressão emocional e cuidado com a Saúde Mental

Stephanie acredita que falar de saúde emocional é tão necessário quanto falar da saúde física. “Nossa saúde como um todo irá influenciar a qualidade das nossas decisões diárias. No mundo dos negócios ainda se julga o desempenho pela quantidade de horas que se trabalha e pela necessidade de resiliência em lidar com os altos e baixos sem ser afetado por isso. Porém somos humanos, vivemos em ciclos. Alguns dias os sentimentos estão positivos e em outros não e está tudo bem aceitarmos essas sensações, lidando com elas. O principal desafio que encontramos quando o assunto é emoções começa por quebrar esse tabu de que todo mundo tem que estar bem o tempo todo ou de que não há espaço para as emoções no ambiente de trabalho. Se a nossa saúde afeta a qualidade das nossas decisões, da nossa performance e se o trabalho é um dos principais ambientes em que convivemos, precisamos falar sobre como nos sentimos e quais os desafios e pedidos de ajuda que temos. Isso faz parte de construir uma cultura inclusiva, colaborativa e essencialmente humana. Afinal, não escolhemos como nos sentimos, nosso poder de escolha está justamente na forma como decidimos lidar com isso. Para que as conversas difíceis aconteçam é preciso, também, garantir a segurança psicológica, caso contrário, a empresa pode até dizer que as emoções são bem-vindas, mas as pessoas não se sentirão seguras para de fato abordar o tema com a verdade e o acolhimento que ele merece”, revela. A especialista destaca, entretanto, que, nos últimos anos, o autocuidado passou a ganhar mais atenção. “As empresas estão cada vez mais promovendo práticas de bem-estar e saúde mental para seus times, afinal como acreditamos dentro da Tribo: todo desafio de negócio é também um desafio de gente, ou seja, não adianta apenas pensar em aumentar os resultados do negócio se você não parar para entender os desafios culturais que irão impulsionar e sustentar esse crescimento”, acrescenta.

José Pedro demonstra a importância da empatia por considerar a repressão emocional como uma das causas para o suicídio. “O acolhimento das nossas emoções é fundamental para validarmos nossas sensações. Quando escutamos frases simplistas para questões graves, tais como ‘isso já vai passar’, ‘tem gente bem pior, ao menos tu tens isso ou aquilo’, ‘eu já passei por isso, em breve tu vai estar bem’, ‘toma um remedinho’; a tendência de quem escuta é se sentir inadequado. Minimizar o que sentimos ou nos compararmos com os outros nunca é uma boa forma de analisarmos nosso quadro emocional. A falta de educação emocional implica em julgarmos nossas emoções de forma dual. Porém as emoções não são boas, nem ruins, nem certas nem erradas. Esses conceitos geram uma bagunça interna. Não sabemos bem se é vergonhoso ter medo, nem se a raiva deve ou não ser expressada, se a tristeza é aceitável, quando a ansiedade nos ajuda… São muitas questões básicas que não nos ensinaram”, comenta. Ainda sobre conceitos que são difundidos na infância e prosseguem com as pessoas ao longo da vida, o Fundador de A Escola das Emoções exemplifica que muitos adultos ainda acreditam que chorar é para fracos, por exemplo. “O que uma criança que aprende isso tende a fazer? Reprimir o choro e consequentemente sua tristeza fica represada também. Uma hora ou outra essa tristeza pode se tornar uma raiva e se manifestar na hora errada, com alguém que nada tem a ver com a causa da tristeza reprimida. Essa manifestação de raiva pode ser tratada com ainda mais repressão. Ou seja, as necessidades que a emoção estava tentando mostrar não só não foram vistas, como foram mal gerenciadas. O ápice desse roteiro é uma confusão sobre o que é meu, o que não é, o que é certo, o que é aceito e o que de mim é reprovado. Essa sensação de ‘peixe fora d’água’, ou uma quantidade enorme de emoções reprimidas, podem culminar em um ato desesperador contra a própria vida”, complementa.

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Saúde Integral

Stephanie Crispino pensa que o conceito de saúde já não é somente um bem estar físico. “É um somatório de condições em todos os campos do ser humano. A saúde integral é um conceito abordado na psicologia que enfatiza que o corpo e a mente são uma unidade indivisível. O pensamento integral proporciona uma vida mais plena, com mais longevidade e um aumento significativo da qualidade de vida em todos os níveis. As empresas que enxergam dessa forma, conseguem priorizar um ambiente organizacional humanizado, que respeita a integralidade do seu colaborador. Os benefícios para a empresa é que ela passa a criar uma relação de confiança, transparência e de valorização, resultando em protagonismo, liderança de si e performance do colaborador. Assim é possível unir duas palavras que não costumamos ver no linguajar dos negócios em conjunto: performance e amor, entendendo que falar de um é falar do outro e para uma vida integral e saudável também no trabalho é preciso olhar para os resultados tanto quanto para as pessoas”, analisa.

Entretanto, José Pedro Vianna lembra que este conceito é muito amplo e questiona “o quanto esse é um discurso bonito e o quanto de fato a saúde é entendida pelas pessoas nas empresas como integral?”. “O bem-estar no ambiente de trabalho é apenas um dos fatores para uma saúde integral. Obviamente quaisquer esforços nesse sentido são muito válidos. A divisão entre a persona trabalhadora e a pessoa real, que algum tempo atrás se estimulava, ou seja, vestir um personagem durante o expediente e outro após, mostrou-se esquizofrênico e pouco saudável. Nós somos seres influenciados e influenciadores a todo momento. Minha relação extra trabalho vai afetar meu rendimento, quer eu queira mascará-la ou não. Como pode alguém que está passando por uma situação delicada em sua vida pessoal ter a mesma performance do que tinha quando estava sem esse problema? E como uma empresa pode lidar com isso da forma mais inteligente para ambos? Essas perguntas foram feitas e respondidas em diversas pesquisas. Percebeu-se então que, quando existe uma aceitação e um apoio por parte da empresa das questões que envolvem seus colaboradores o senso de pertencimento gerado conecta, estimula e aumenta a capacidade de criar, trabalhar, produzir”, analisa.

A importância do autoconhecimento

A CEO da Tribo Global reforça que o “Autoconhecimento Liberta”. “Por meio desse despertar de consciência sobre si expandimos barreiras que nos deixam reativas ou reativos e somos capazes de operar cada vez mais na criatividade que é a base para a liderança consciente. Qualquer negócio que queira evoluir e transformar a sua forma de impactar precisa de lideranças conscientes que praticam essas mesmas transformações primeiro em si mesmas e depois estendem esse impacto ao seu entorno. Profissionais que exercitam essa autoconsciência conseguem trabalhar melhor a sua autoconfiança, autocompaixão e atuar com ainda mais protagonismo em suas decisões fora e dentro do ambiente de trabalho”, justifica.

Stephanie ainda aponta a importância de trabalhar a autocompaixão. “Não basta querermos nos conhecer e evoluir como profissionais e seres humanos se fizermos isso de uma forma pesada, com uma auto cobrança excessiva e um olhar pouco cuidadoso e generoso consigo mesmo/a. Aprendemos com o nosso mentor e referência em liderança consciente, o neurocientista Daniel Friedland, que existe uma crença que podemos cultivar internamente e que muda tudo, a capacidade de acreditarmos e repetirmos para nós: ‘Eu me amo e me aceito, não importa o que’. É lógico que isso não significa que seremos perfeitos, que não haverá erros, mas significa também que teremos a calma de olhar para tudo isso sem diminuir o nosso próprio valor e buscando aprender com a experiência sem deixar de lado o nosso amor próprio e autocompaixão. Não vai ser na primeira vez que você disser, talvez, que a frase já se internaliza, por isso não tenha medo de repetir quantas vezes for necessário e saber que pedir ajuda, inclusive para praticar essa autocompaixão, é sempre muito bem-vindo!”, diz.

Já o Fundador de A Escola das Emoções reitera que se conhecer é fundamental “para nos darmos conta do que passa conosco antes de sermos engolidos por nossos sentimentos”. “Se não nos percebemos, as consequências da cegueira emocional podem parecer surpresas”, afirma.

Como lidar com adversidades

Stephanie Crispino recomenda a reflexão diante de momentos delicados. “A dica é refletir sobre o que está complicado. Qual é o principal desafio do momento? O que mais me incomoda? O que eu gostaria que fosse diferente? O que hoje impede que seja diferente? Ganhar mais consciência sobre o aqui e o agora, sobre o real problema contribui para identificar as oportunidades ocultas e apoia no processo evolutivo individual de cada pessoa. Dessa forma, reconhecemos a reatividade que pode estar presente ao lidar com esses desafios e podemos ressignificá-la de modo abrir espaço para a criatividade que, como comentei, é a fonte da liderança consciente. Uma pergunta que podemos nos fazer nesses momentos é: se encararmos esse desafio atual como um presente, como isso mudaria a nossa forma de enxergar esse ‘problema’? Se isso for um presente, o que muda na sua atitude?”, aconselha.

No mesmo sentido, José Pedro Vianna pensa que uma situação delicada pode ser percebida como uma oportunidade de crescimento, mesmo que não seja tão simples quanto parece em alguns casos. “Não podemos minimizar nem culpar a vítima, mas também não podemos apenas nos vitimizar. É uma questão que depende de muitos fatores. Alguns químicos, outros psíquicos. Muitas vezes a única forma que uma pessoa aprende para lidar com o mundo é se colocando no papel de ‘fraco’ pois isso um dia funcionou. E não cabe a cada um de nós julgar se essa atitude, que mais tarde pode vir a ser a causa de uma depressão, estava certa ou errada. A questão é se essa pessoa teve disposição e oportunidades de apoio para se analisar, entrar em suas dores, limpar seus traumas. Em muitos casos não”, indica.

Ajudando algum conhecido que enfrenta dificuldades

Stephanie propõe, em primeiro lugar, que a melhor maneira de ajudar alguém é ouvir a pessoa de maneira respeitosa. “Busque compreender pelo ponto de vista dela e, caso haja abertura, buscar uma solução junto com ela. O melhor que podemos oferecer para alguém que precisa de ajuda é ser uma ótima rede de apoio, reforçando a segurança psicológica de ouvir a pessoa a partir de uma escuta ativa, sem buscar resolver, dizer como nos sentimos ou assumir interpretações. Também é indicado reforçar o quanto continuar pedindo ajuda e contar com pessoas que são profissionais na área é saudável para dar o suporte necessário ao desafio emocional e mental que essa pessoa está vivendo. É importante não querermos resolver a questão pela pessoa ou assumir para nós essa responsabilidade, já que podemos não ser a pessoa mais indicada para esse suporte que vá além de agir como rede de apoio”, cita.

José Pedro Vianna sugere, primeiramente, que as pessoas negligenciam suas emoções e seus sentimentos. “Sinta-as e entenda que elas são mensageiras, alertas. Assim que a mensagem for ouvida a emoção cumpre sua função e se dissipa. A emoção é uma mensageira diligente. Ela não vai embora até entendermos seu propósito. Quando não damos ouvidos à ela, a emoção se transforma em sentimento e o sentimento em humor e o humor em nossa personalidade”, sinaliza. “Vou tentar explicar melhor dando um exemplo. Se alguém se sente triste seguidamente mas não investiga qual a necessidade por trás dessa tristeza, ela tende a perdurar. Em pouco tempo pode ser que ela cresça internamente, tentando te avisar que algo não vai bem e deve ser cuidado. A insistência em não dar atenção gera um estado de humor chateado, cabisbaixo, de pouca vitalidade e disposição. O corpo físico começa a se fechar. Seguindo o caminho da negação, a depressão é o próximo passo. O corpo torna-se viciado na produção de hormônios que, em demasia, são nocivos”, explana.

O Fundador de A Escola das Emoções ainda lembra que outras sugestões estão no documentário Happy Você é Feliz?, do Diretor Roki Belic, de 2011. “Muito se tem estudado sobre a felicidade e o quanto nessa fórmula as variáveis são simples. Estar integrado em algum grupo que faça sentido na sua vida, ou seja, vínculos”, finaliza.

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