Advogado analisa validade do termo de quitação extrajudicial e o entendimento dos Tribunais no RS e em SC

Confira artigo de Bruno Borges Pinheiro Machado, Advogado do escritório C.Josias & Ferrer

É de conhecimento geral que cabe ao lesado, vítima de acidente de trânsito, buscar a indenização correspondente aos danos experimentados em face ao autor do evento. Tal afirmação é tão singela e popularmente conhecida que qualquer cidadão sabe de seus direitos e prerrogativas na busca da reparação pelo evento que Ihe causou prejuízo.

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Não poderia ser diferente, uma vez que o Brasil ocupa a quarta posição entre os países com mais mortes em acidentes de trânsito no mundo, conforme estudo realizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2019.

Nesse sentido, pode se afirmar que qualquer indivíduo possuidor de veículo automotor está sujeito ao envolvimento em algum acidente, seja de sua autoria ou então na condição de vítima. Com receio da estatística acima, é possível alegar que boa parte dos proprietários de veículos no Brasil optam, racionalmente, por firmarem contrato de seguro, objetivando resguardar seus interesses, caso sejam envolvidos em algum sinistro.

Ocorrendo o sinistro, cabe ao segurado comunicar ao segurador do evento ocorrido, fins de que possa aquele regular e apurar os fatos narrados, conforme preconiza o artigo 771 do Código Civil Brasileiro de 2002.

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Art. 771: Sob pena de perder o direito à indenização, o segurado participará o sinistro ao segurador, Iogo que o saiba, e tomará as providências imediatas para minorar-lhe as consequências.

Estando presente os requisitos ensejadores da responsabilidade civil, quais sejam, culpa, dano e nexo causal, bem como havendo cobertura prevista na apólice de titularidade do segurado para reparação do dano causado ao terceiro, pode o segurador efetuar o pagamento de indenização à vítima.

Tal operação pode ocorrer na via administrativa, mediante um termo de quitação, também conhecido como acordo extrajudicial.

Esta ferramenta, em sua maioria, prevê o pagamento de uma indenização à vítima em razão do acidente de trânsito causado pelo segurado.

O termo é assinado pelo terceiro, aqui na hipótese vítima, pelo segurador, dando-se ciência, também, ao segurado.

Importante destacar que este documento prevê, em regra, quitação de qualquer indenização, sejam danos morais, materiais, corporais, etc. decorrentes do sinistro e que estão sendo pagos no ato da assinatura deste termo.

Em tese, com a assinatura do acordo extrajudicial e o pagamento realizado pela seguradora em favor da vítima, dá-se por liquidado o sinistro e encerrada qualquer tipo de controvérsia.

No entanto, atualmente, tem-se percebido que as vítimas, muito embora tenham conferido ampla, geral, irrestrita e irrevogável quitação a toda e qualquer indenização decorrente do acidente ocorrido, através do termo, estão buscando a complementação de valores na via judicial.

Argumentam os terceiros que não tinham conhecimento das cláusulas firmadas, ou então que somente tiveram ciência de outros danos após o recebimento da indenização administrativa.

Dito isso, importante apresentar um questionamento muito em voga atualmente: é possível receber indenização administrativamente através de termo de quitação ou acordo e buscar a complementação na via judicial?

A resposta desta questão depende. Diversos fatores influenciam na resolução desta discussão.

A título de exemplo, o entendimento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, ao ser invocado para resolução de processo em que se discutia a validade de termo de quitação firmado extrajudicialmente entre vítima, não acompanhada de advogado, e seguradora, foi no sentido de afastar a legalidade do negócio jurídico, permitindo-se, assim, a complementação de valores recebidos administrativamente:

Apelações cíveis. Ação de reparação de danos. Acidente de trânsito. Denunciação à lide. Evidenciada culpa exclusiva do condutor do ônibus de propriedade das requeridas. Sentença de parcial procedência. Apelo das rés e da seguradora litisdenunciada. Insurgência comum. Transação firmada entre as partes. Acordo extrajudicial com quitação plena dada pelos autores. Não acompanhados por advogado. Situação de premente necessidade dos requerentes lesão configurada. (artigo 157 do código civil/2002). Legalidade do negócio jurídico afastada. Dano moral configurado. Acidente que vitimou pai e filho. Primeiro autor que sofreu traumatismo crânio encefálico. Internação hospitalar por certo período e fora de seu local de residência. Segundo requerente, que à época, contava com 05 (cinco anos de idade). Perda de dois dentes frontais. Indenização devida. Consectários legais. Termo inicial. Juros de mora. Data do evento danoso. Correção monetária. A partir do arbitramento. Recurso adesivo dos autores. Pedido de lucros cessantes e pensão vitalícia afastados. Pleito de não abatimento dos valores recebidos no acordo extrajudicial. Não cabimento. Indenização a título de Seguro DPVAT. Afastada. Negativa não comprovada. Insurgência comum dos recorrentes. Verba indenizatória. Corretamente fixada pela sentença. Impossibilidade de compensação dos honorários advocatícios. Sucumbência recíproca, no entanto, readequação quanto à proporcionalidade. Manutenção da verba honorária. Recursos conhecidos. Apelo da seguradora e recurso adesivo desprovidos. Apelação das rés parcialmente provido. (TJSC – Apelação Cível n. 0014486- 33.2009.8.24.0033, de Itajaí, relator Rodolfo Cezar Ribeiro Da Silva Tridapalli, Quarta Câmara de Direito Civil. 07 de dezembro de 2017).

Sustentaram os julgadores que o fato da vítima não estar acompanhada de advogado quando firmou o termo de quitação compromete a validade do acordo firmado, permitindo-se, assim, a busca do Judiciário para pleitear nova indenização.

Em sentido diametralmente oposto, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, em caso análogo, entendeu pela validade do acordo extrajudicial firmado. Isso porque, conforme apurado no processo judicial, o objeto da ação ajuizada pela vítima era o mesmo já indenizado administrativamente:

Apelação cível. Responsabilidade civil em acidente de trânsito. Ação de reparação de danos decorrentes de acidente de trânsito cumulada com danos morais, estéticos e pensionamento vitalício. Termo de quitação. Os documentos juntados aos autos confirmam que o autor celebrou transação extrajudicial, dando quitação total a ambos os réus pelos danos decorrentes do acidente – danos corporais, inclusive no que concerne às despesas havidas com danos materiais, morais, estéticos e psicológicos, bem como lucros cessantes ou qualquer tipo de indenização prevista no ordenamento jurídico. Efetivamente, não há dúvidas de que a reparação pelo acidente de trânsito sofrido já foi alcançada ao autor, que, diversamente do informado, não recebeu quantia irrisória, mas foi indenizado no valor de R$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil reais) a título de reparação por danos materiais, corporais, morais, estéticos ou psicológicos, dando a mais ampla, geral, irrestrita e irrevogável quitação, não apenas à seguradora, mas, igualmente, à condutora do veículo segurado (no que age com má-fé o demandante, afirmando que a avença não contou com a participação da primeira apelada), além de ter recebido R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), por conta de dois capacetes e um par de óculos de grau, mais R$ 33,00 (trinta e três reais), tendo a seguradora, ainda, quitado o financiamento da motocicleta que o autor mantinha, pagando à financeira o montante de R$ 18.200,00 (dezoito mil e duzentos reais). Tais parcelas foram adimplidas dentro de um período de sete meses, contados da data do sinistro, somando quantia que, em nada, sugere insignificância, lembrando-se que todo acordo pressupõe concessões recíprocas. Neste caso dos autos, como visto, pesa, sobretudo, a favor do pacto, o fato de ter sido celebrado em tempo célere, sopesando-se o trâmite no mais das vezes longo dos processos judiciais. Desse modo, sem que se encontrem presentes quaisquer das hipóteses previstas pelo artigo 849, do Código Civil, não apresentando a transação nenhum vício de consentimento, deve ser mantida a sentença que acolheu a preliminar de ausência de interesse processual, em razão da quitação, e julgou extinto o processo, sem resolução de mérito, com base no artigo 485, VI, do Código de Processo Civil. Apelo Desprovido. (TJ-RS – AC: 70083554766 RS, Relator: Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira Rebout, Data de Julgamento: 26 de agosto de 2020, Décima Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: 02 de outubro de 2020).

Entendeu o Tribunal Gaúcho que o autor da ação, ao firmar transação extrajudicial, conferindo quitação total pelos danos decorrentes do acidente, abrangendo danos materiais, morais, estéticos e psicológicos, lucros cessantes ou qualquer tipo de indenização prevista no ordenamento jurídico, deixou claro que a reparação pelas lesões experimentadas decorrentes do sinistro já havia sido alcançada à vítima administrativamente.

Dentre as duas vertentes aqui esposadas, entende-se que o critério adotado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul se apresenta como o mais adequado.

Veja-se que ao ser desconsiderada a quitação firmada extrajudicialmente, é necessário que se encontre algum vício de vontade ou consentimento do indivíduo que aceita transacionar.

*Bruno Borges Pinheiro Machado é especialista em Direito Processual Civil, Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Advogado.

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