Seguro D&O no dilema: em tempos estranhos, qual sua efetiva utilidade?

Confira artigo do Dr. Marcelo Dias Camargo, advogado da Agrifoglio Vianna – Advogados Associados

Recentemente, o jornal Folha de São Paulo destacou o receio dos integrantes do Conselho de Administração da Petrobras em aprovar a indicação do nome para a presidência da estatal. A matéria destaca que os integrantes do Conselho temem ver seus patrimônios pessoais atingidos por ações indenizatórias de terceiros caso o ato de nomeação se mostre, no futuro, prejudicial.

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E não é difícil imaginar de que forma isto poderia ocorrer: bastaria que o presidente nomeado pelo Conselho intervisse no preço dos combustíveis, o que já vimos no passado ocorrer, gerando prejuízo financeiro à empresa em razão da diferença de preço praticado no exterior, e consequentemente, afetando os acionistas.

Não se pretende aqui entrar no mérito da política de preços da estatal, mas, sim, chamar atenção para a aparente ineficiência de um seguro que serviria justamente para dar tranquilidade aos gestores para que façam o seu mister, qual seja, pratiquem atos de gestão!

Trata-se do Seguro D&O (Directors & Officers), um contrato de seguro de Responsabilidade Civil para administradores de sociedades, disciplinado, atualmente, na Circular Susep nº 637, de 27 de julho de 2021.

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Este seguro é praticado no exterior desde o início do Século XX e, no Brasil, há pelo menos 20 anos. Serve para vários fins atrelados à responsabilização civil decorrente de um ato de gestão. Visa a dar tranquilidade ao gestor para que pratique tais atos com a segurança de estar amparado por um seguro que, por exemplo, custeará as despesas de defesa dele na ação ajuizada pelo terceiro, seja este um particular lesado, um órgão de fiscalização, uma agência reguladora, o Ministério Público, o Fisco, etc.

Outras coberturas e funções foram acrescidas ao Seguro D&O ao longo do tempo, tornando este produto algo tão sofisticado que até mesmo o tomador, a empresa, passa à condição de verdadeiro segurado na forma direta, como na cobertura conhecida como “Side C”, e indireta, em algumas extensões de cobertura.

Não há tempo nem espaço, aqui, para um detalhamento das inúmeras coberturas e seus formatos, classificação da natureza jurídica delas, identificação do efetivo interesse segurado e do risco em garantia, entre outros elementos jurídicos.

O problema está no recente histórico deste seguro no Brasil, na equivocada subscrição de alguns riscos por ele cobertos, na equivocada expectativa por parte dos segurados quanto à função deste contrato, no anacronismo de algumas de suas coberturas, e também, pela visão um pouco obtusa de algumas seguradoras e entes de mercado quanto ao “conjunto da obra” antes relatado. Percebe-se uma crise em andamento, um sentimento que nos remete, operadores do âmbito jurídico de seguro, àquela pergunta: como viemos parar aqui, no olho deste furacão?

Um exemplo simples, que tem merecido críticas de parte da doutrina, diz respeito ao juízo de valor e ao pré-julgamento que alguns seguradores fazem quando acionada a cobertura mais básica, a que deu origem ao Seguro D&O, que é a de custeio de defesa. Algumas seguradoras exigem, para honrar a cobertura, a prática de “preços razoáveis” pelos prestadores de serviços jurídicos contratados pelos administradores, ou ainda, a “demonstração de equivalência” entre serviços jurídicos distintos. Em outros casos, há condicionamento à demonstração de que o ato de gestão não foi doloso.

Ora, quanto aos custos de defesa, as exigências remetem a um critério um tanto subjetivo utilizado no momento mais crítico de uma relação segurado-segurador: o do sinistro. Quanto ao outro óbice, condicionar o custeio de defesa à prévia demonstração de ausência de dolo, esbarra no princípio da presunção de inocência e no critério meramente temporal, pois eventual dolo será cristalizado somente ao final de todo o processamento para o qual se pretende e necessita, justamente, apresentar imediata defesa. Então, que se pague logo a indenização em formato de custeio de defesa do administrador, e ao final, verificado o dolo, que exercite a seguradora a ação regressiva.

Outro ponto de conflito é a exigência de prévia desconsideração da personalidade jurídica da empresa como condição para a incidência da extensão de cobertura referente à Responsabilidade Trabalhista, Tributária, Previdenciária, Concorrencial e Consumerista.

O problema está no fato de que, especificamente ao âmbito Tributário, a Instrução Normativa nº 1.862/18 da Receita Federal forneceu aos agentes fiscais novas ferramentas que permitem o redirecionamento da responsabilidade tributária empresarial para as pessoas dos sócios e administradores. Neste contexto, o Parecer Normativo 4/18 ampliou o conceito de responsabilidade solidária entre administrador e empresa. Na prática, a Receita inclui, já na autuação administrativa, os administradores da sociedade como codevedores do tributo e acessórios.

Então, passou a ser duvidosa a utilidade desta cobertura frente às atuais práticas da Receita Federal. E vejam, nem tão atuais, pois se a Instrução Normativa nº 1.862 é do ano de 2018, era recomendável uma atualização dos clausulados das seguradoras desde então. Não parece haver dúvida quanto ao substancial aumento de risco a que as companhias estão sujeitas por força da referida prática da Receita, de modo que, se o clausulado de antes segue sendo o mesmo de agora, fica ainda mais aparente a ocorrência de um lapso entre subscrição e risco, o chamado risco oculto, aquele não mapeado pela seguradora no momento de ofertar o produto.

Os exemplos acima apenas ilustram, tal como a matéria jornalística referente ao receio dos Conselheiros da Petrobras, um certo desalento quanto ao Seguro D&O no Brasil, que por motivos diversos, mas principalmente devido ao desconhecimento de seu âmbito técnico, parece em vias de cair em descrédito, o que seria prejudicial para segurados e seguradores. Por outro lado, é certo que há demanda para tal ramo no País, de modo que todos os esforços para seu melhoramento certamente serão recompensados.

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