A sustentação do modelo da saúde privada permanece em máxima evidência no Brasil: quais as soluções aventadas?

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Artigo da Capitolio com a colaboração do Economista e ex-Presidente da Confederação Nacional das Seguradoras e da FenaSaúde, Marcio Serôa de Araújo Coriolano

O insistente noticiário e as avaliações de amplos públicos sobre a saúde privada brasileira parecem ser, ao mesmo tempo, preocupantes e alvissareiros. Seria essa uma contradição?

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Como as disfunções do sistema privado se acumulam velozmente e como a sua cadeia de valor, ou produtiva, é muito extensa e diferenciada, é natural que avaliações extremadas na atual quadra nacional possam deixar todos em estado de confusão. Ou, pelo menos, de dúvida.

Alguns noticiários questionam duramente o setor privado, com busca de evidências de dificuldades do acesso à atenção da saúde e, pior, de cancelamentos unilaterais de contratos. E com comprovações de custos altíssimos do atendimento por parte dos que prestam a assistência médica e os repassam a operadoras e, em decorrência, aos seus clientes. Como pano de fundo, o baixo retorno da operação (“sinistralidade”) e questionamentos sobre a capacidade de gestão da assistência à saúde.

Por outro lado, algumas outras manchetes evidenciam fraudes milionárias na oferta desse atendimento pelo sistema médico, como também na sua utilização pelos beneficiários.

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A questão sempre presente, claro, é a sustentabilidade do sistema privado, com ou sem alguma recuperação recente. E a questão maior é que o sistema privado foi criado e regulado exatamente para dar acesso aos cidadãos. E como esse sistema atualmente é disfuncional, os custos da medicina crescem constantemente muito além da capacidade de pagamento dos brasileiros. Razão pela qual o chamado “número de beneficiários” não cresce, a taxa de cancelamento dos que não podem pagar é alta, a substituição de produtos antigos por novos com redução de benefícios também é alta e aumentam as previsões de cancelamentos ainda maiores, mesmo nos novos produtos.

Mais recentemente, paira a ameaça de uma CPI. Digo ameaça, porque o seu histórico não permite melhor avaliação de resultados.

Muitos, inclusive eu mesmo, participaram de conjunto enorme de laudas e mais laudas de diagnósticos e propostas ao longo de mais de duas décadas e, pelo menos, participam de interações constantes em grupos de internet que juntam todos os atores daquela diferenciada cadeia de valor.

O ponto principal do atual debate seria que o sistema de saúde privado estaria em profunda crise, após 25 anos desde a edição da lei maior que o reestruturou. E, mais, que os modelos de funcionamento em que se suporta estariam esgotados.

Há, evidentemente, argumentos para todos os lados, desde o lado dos que estão no início da cadeia produtiva – os que fornecem medicamentos, materiais e equipamentos médicos – passando pela rede de atendimento (clínicas, laboratórios, hospitais e muito mais), pelas operadoras de saúde, até o lado de quem adquire os planos de saúde, sejam as pessoas e famílias, sejam as empresas que oferecem os planos aos seus colaboradores pagando ou não uma parte por eles. Fora, evidentemente, argumentos das autoridades reguladoras e dos poderes constituídos.

Ainda para tornar mais complexo esse quadro de coisas que atinge, principalmente, perto de 52 milhões de pessoas contratantes de planos médicos, sobram dados de que a medicina privada brasileira seria uma das melhores do mundo. Fora que várias redes de atendimento privado de excelência, em várias regiões do país, seriam até objeto de “turismo” de residentes no exterior, tamanha a sua capacidade e competência. Para quem pode pagar, claro. Aqui não estamos tratando da saúde pública.

Um ponto a considerar no caso de suposta crise sistêmica, é que, tendo ingressado na saúde suplementar aqueles agentes autorizados pelo Estado, ou adjacentes à sua autorização, eles não desejariam, nem mesmo conseguiriam, sair do mercado, a não ser em casos de falências. Procurarei desdobrar isso adiante.

Voltando ao debate da hora, o seu aspecto principal comum é que, tanto a lei quanto os seus normativos originais e a falta de consenso mínimo na cadeia de valor da saúde privada, estariam a impedir uma solução que aproveite positivamente a todos. Como lembrado, os custos da saúde crescem estratosfericamente, não havendo nenhum estímulo a outro modelo mais inclusivo e custo-efetivo. Em decorrência, a compra de planos de saúde estaria correndo alto risco de ser estrangulada.

Mas, onde encontrar a solução para a alegada ou real crise, ou, pelo menos, para um aperfeiçoamento dos normativos da saúde privada? E, igualmente, onde estariam as soluções para um redirecionamento de práticas conceituais e operacionais de saúde que sejam “sustentáveis”, ao menos em cenário de médio prazo?

Formularei apenas uma hipótese para o debate, sobre o que posso enxergar poderia estar se passando para o equacionamento dos problemas e de suas soluções.

A hipótese se desdobra a partir de quatro vertentes de soluções hoje aventadas, acompanhadas do que julgo serem suas restrições para avanço consistente. Então:

I. Soluções estruturais, do tipo revisão do marco legal do sistema privado (lei e inúmeras normas) não seriam prováveis em horizonte razoável, considerando a politização e judicialização do tema desde priscas eras e, hoje, considerando posições congeladas no espectro dos atores públicos e privados da saúde.

II. Soluções de abandono de suas atividades pelos agentes privados (vide acima), invariavelmente acompanhadas de especulações desprovidas de amparo factual, estariam fora de sentido. A descontar as falências de operadoras por conta de modelos falidos na origem, ou de má-gestão, nenhum operador ou prestador de serviços médicos que mereça este nome se colocaria em situação de tamanho risco, seja para o negócio mirando o presente e o futuro, seja para a sua imagem.

III. Soluções de concentração setorial que possam resultar em um oligopólio privado hiperconcentrado tendente à criação artificial de escala e eliminação de concorrência, também não seriam viáveis. A uma, pela existência de robusta legislação antitruste e, a duas, porque a criação dessa poderosa escala não seria suficiente para carregar junto um modelo inclusivo e eficiente de assistência à saúde. Isso, sem contar a previsível ação do poder judiciário e da sociedade organizada para afastar as consequências decorrentes de um maior padrão oligopolista.

IV. Soluções de produtos e serviços securitários do tipo “capital segurado”, com limites financeiros (a exemplo do produto de seguro, existente, de “doenças graves”), acompanhados, ou não, de franquias e coparticipações por eventos, apesar de nos limites já permitidos, esbarrariam, caso adotados em maior escala, nas evidentes restrições de renda da maioria da população para pagar pelo que iria acima do limite segurado como também em previsível judicialização no caso da dificuldade ou inviabilidade de continuidade da assistência médica.

Relembradas essas soluções e feitos os rápidos comentários, passo então à hipótese. Que consiste em que há modelos e experiências exitosas sendo desenvolvidos e testados no mercado de saúde suplementar e que podem, em um primeiro momento, mitigar a falta de soluções estruturantes, para, em seguida, serem adotados em escalas relevantes para o sistema privado. Enquanto espera-se Godot.

Conforme as atividades relatadas nos meios de comunicação coletivos internos do setor, a maior parte desses modelos e experiências estariam sendo implementados por especialistas e entidades externas às operadoras e aos prestadores de serviços médico-hospitalares, e em processo de implementação por estes dois últimos atores em graus diversos.

Parece que, desse modo, aqueles que tomam riscos no sistema privado (risco atuarial ou de investimentos) estariam deixando de internalizar novos processos e práticas e passando a contratar projetos e soluções segmentadas em várias dimensões dos seus negócios que podem agregar valor efetivo à revisão e reestruturação dos modelos consolidados pela regulação governamental e pelo padrão de concorrência prevalecente.

A vantagem dessa tendência é que os que tomam riscos poderiam permanecer internalizando processos e decisões da sua prática imediata (inclusive aquisições, parcerias, ampliação de infraestruturas, manejo de equipes e relacionamentos institucionais e comerciais) enquanto “terceirizariam” possibilidades de novos modelos de pagamento e assistenciais, cujo progresso poderia ser rapidamente descontinuado ou colocado em marcha acelerada conforme os seus resultados, sem maiores compromissos de capital ou operacional (“capex” e “orpex”, no jargão econômico).

Essas experiências não derivariam de normativos especiais e não são reguladas – no sentido de seu acompanhamento estrito – pelo órgão regulador. Por outro lado, trata-se de posicionamento competitivo dos incumbentes e, portanto, a estes não interessaria divulgar mais amplamente os resultados. Assim, torna-se muito difícil avaliar a sua representatividade no conjunto das atividades setoriais, embora, pelo menos a julgar pelos reportes nas mídias da saúde privada, estão sendo cada vez mais festejados.

Em decorrência, a hipótese carece de confirmação, o que deixo para aqueles que se interessarem por ela. Sempre lembrando que, em face do tamanho das responsabilidades e desafios dos operadores do sistema e do que verdadeiramente interessa, o seu público, o que deveria estar sob escrutínio é a “escalabilidade” (expansão) de todos esses novos modelos e experiências.

Aqui não há a pretensão nem de um pequeno inventário, mas sabe-se que a busca por soluções escaláveis tem abrangido, pelo menos, modelos novos ou aperfeiçoados de:

i) Remuneração da prestação de serviços médicos e hospitalares baseada em efetividade, ainda que sem a necessária rede de conectividade capaz de auditoria, em tempo real, do modelo;

ii) Ampliação da utilização intensiva da tecnologia da informação, inclusive inteligência artificial, na cadeia de valor das atividades mais sensíveis ao risco e ao atendimento aos beneficiários, novamente ainda que não acompanhada de uma rede sistêmica que permita o compartilhamento dos dados clínicos mais importantes;

iii) Foco na assistência primária da saúde, notadamente dos públicos infantis, de idosos, de risco crônico, entre outros singularmente afetados pela mudança do padrão epidemiológico e pela atuação dos diferentes grupos de pressão por direitos da diversidade;

iv) Ampliação da integração da atenção primária com a continuidade nas atenções secundária e terciária, inclusive contando com redes parceiras;

v) Aceleração de processos e sistemas antifraude (ou antiabuso), igualmente com a utilização de técnicas mais avançadas da inteligência artificial.

vi) Aumento da adoção de processos de gestão da “jornada” dos pacientes – ainda que limitados a populações menores – com o óbvio objetivo de prevenir o agravamento das condições adversas de saúde e de encaminhar os beneficiários para soluções eficazes, ainda que sem a presença de prontuários eletrônicos que poderiam dar o alcance desejado a essas iniciativas.

vii) Tentativas, por parte de operadoras, de fornecimento direto de insumos médicos de alto custo para hospitais, laboratórios, principalmente, limitadas pela assimetria da capacidade de negociação entre os atores.

Não há dúvidas de que há mais questões e soluções para o que o noticiário insistente sobre a saúde suplementar vem assaltando todos. Pelo menos, essa contribuição acima vai ao encontro de um debate que possa estimular o equacionamento delas, sem as emoções de sempre.

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