A (in)constitucionalidade do não cabimento de ação rescisória no microssistema dos Juizados Especiais
Confira artigo de Rodrigo Pedroso, advogado no escritório C. Josias & Ferrer Advogados Associados
A Lei nº 9.099/95 que instituiu o chamado microssistema dos Juizados Especiais Cíveis, no seu art. 59, define que “Não se admitirá ação rescisória nas causas sujeitas ao procedimento instituído por esta Lei”. Assim, em busca de concretizar os princípios norteadores do sistema dos Juizados Especiais, tais como a celeridade e a informalidade, o legislador optou por vedar a possibilidade de ajuizar ação rescisória em face das decisões proferidas sob o rito especial.
Assim, buscamos analisar se a vedação ao ajuizamento de ação rescisória no microssistema dos Juizados Especiais encontra, ou não, o devido amparo nas disposições constitucionais.
A ação rescisória é uma medida excepcional, que possui um objetivo claro, qual seja, o de conceder ao jurisdicionado, durante determinado período, a possibilidade de reabrir o debate processual, desconsiderando a coisa julgada material formada em demanda anterior, na hipótese de ser verificada alguma das irregularidades elencadas no Código de Processo Civil.
O CPC dispõe em seu art. 966 todas as hipóteses de cabimento da ação rescisória, tais como, por exemplo, se a decisão foi proferida por Juízo incompetente, se resultar de dolo ou coação da parte vencedora, se for fundada em prova falsa, dentre outras hipóteses de cabimento.
Portanto, é possível identificar que a ação rescisória serve para sanar vícios processuais graves e que podem ser associadas a uma violação direta a direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, como o direito fundamental ao processo justo e a própria segurança jurídica.
O direito ao processo justo constitui princípio fundamental para a organização do processo em um Estado Constitucional e é dever do legislador organizar um processo idôneo que seja capaz de garantir a tutela de direitos.
Portanto, o direito ao processo justo visa, ao fim e ao cabo, assegurar a obtenção de uma decisão que seja capaz de tutelar direitos através de um procedimento idôneo e confiável.
Com efeito, se a função jurídica da ação rescisória é sanar vícios que são graves o suficiente para autorizar a desconstituição da coisa julgada e que, em última análise, podem ser consideradas como decisões severamente injustas, por certo que ao vedar o cabimento das ações rescisórias no microssistema dos Juizados Especiais, estamos diante de uma proteção insuficiente do ordenamento jurídico, uma vez que tais vícios certamente podem e efetivamente ocorrem nos processos submetidos ao procedimento dos Juizados Especiais Cíveis.
Cumpre destacar, ainda, que o não cabimento da rescisória viola o direito fundamental à segurança jurídica, uma vez que ela constitui o direito à certeza, à estabilidade, à confiabilidade e à efetividade das situações jurídicas processuais. Dessa forma, é essencial que as decisões judiciais entreguem aos jurisdicionados um processo justo e segurança no resultado da decisão.
É necessário destacar que no CPC, no âmbito do procedimento comum, o legislador já empreendeu esforços para conciliar a segurança jurídica e a celeridade ao estabelecer um prazo para o ajuizamento da ação rescisória, mais especificamente dois anos a contar do trânsito em julgado da última decisão do processo.
Portanto, se pretendia o legislador infraconstitucional favorecer a celeridade no microssistema dos Juizados Especiais, melhor seria se determinasse um prazo menor para o ajuizamento da rescisória, ao invés de vedá-la.
Conclui-se, portanto, que ao vedar a possibilidade da ação rescisória no microssistema dos Juizados Especiais, em busca de maior celeridade, o legislador infraconstitucional está violando diretamente os direitos fundamentais ao processo justo e à segurança jurídica, uma vez que possibilita que vícios processuais graves sejam convalidados com a coisa julgada, sem qualquer possibilidade de revisão por aquele que sofre o prejuízo.