A vítima da fraude é exatamente você, senhor segurado

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Confira artigo do sócio fundador da CJosias & Ferrer e acadêmico da ANSP, Carlos Josias Menna de Oliveira, e do Jurídico da CJosias & Ferrer, João Caetano Menna de Oliveira

No direito brasileiro, o prêmio é composto de duas partes: prêmio puro e carregamento. A primeira é a exata parcela que o segurado contribui para o fundo mútuo, e a segunda é aquela referente aos custos administrativos, impostos e o lucro da empresa. Esses pagamentos, efetuados pelos segurados e expostos aos mesmos riscos para o fundo mútuo/comum, são a base do mutualismo.

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É devido ao mutualismo (união de esforços de pessoas expostas a riscos semelhantes, a fim de formar um mesmo fundo comum), que o preço do seguro é representado por apenas uma fração do bem. Caso contrário, o valor do prêmio seria de pelo menos equivalente ao bem segurado mais a quantia referente ao carregamento.

A seguradora, em verdade, é uma administradora dos fundos mutuais, visto que esta não entra com dinheiro próprio para pagar os sinistros, mas sim, com todo a experiência e o trabalho administrativo de gestão dos fundos, cobrando um preço pelo trabalho que desempenha, o que é seu lucro. Esse modelo de negócio se assemelha muito ao consórcio.

O contrato de seguro é uma instituição de natureza solidária, que se assenta no princípio da solidariedade. A empresa não detém da “poupança coletiva’’ ou do fundo mútuo, mas sim administra em prol dos segurados, tendo o dever de responder perante eles. Assim, o seguro nada mais é do que um sistema de poupança ou de economia coletiva.

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Parte da doutrina critica o olhar “individualista’’ que somente veria o seguro como um único contrato bilateral, como se fosse apenas um negócio jurídico de compra e venda; entendendo-se que partir dessa premissa, ignora-se a essência desse negócio jurídico tão complexo. Isto porque, para a existência do seguro, é necessária a existência de vários outros contratos da mesma espécie para a formação de um mesmo fundo comum.

Tão importante como o coração é para o ser humano, é o princípio da boa-fé objetiva para o Direito do usuário/comprador, que se encontra positivado no artigo 4º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990). Aliás, somente para fins complementares, o primeiro registro de noção de boa-fé advém do Direito Romano, quando, na segunda norma da Lei das Doze Tábuas, previa que o patrão que praticasse fraude contra o seu cliente deveria ser condenado.

Desta forma, é preciso diferenciar a boa-fé objetiva da boa-fé subjetiva, já podendo de plano afirmar que, se tratando de princípio, estar-se-á sempre falando da objetiva, já que a subjetiva não faz parte do plano jurídico, restringindo-se a um estado psicológico e interpretativo. Nessa linha, a boa-fé subjetiva pode ser conceituada como desconhecimento sobre algum fato ou ausência de intenção de prejudicar outro. Já a boa-fé objetiva, que constitui o princípio do Direito do Consumidor, originado no direito alemão através do parágrafo 242 do Código Civil de 1900, determina que as partes devem agir conforme a boa-fé, ou seja, deve ser resguardada a fidelidade, a harmonia e a lealdade na relação contratual.

Portanto, quando da realização de um contrato, a boa-fé objetiva obrigatoriamente gera deveres para as partes, como os de informar corretamente e de realizar proposta de forma clara. Essas condutas deverão ser levadas em conta desde antes da pactuação do mesmo, até mesmo após o fim da relação contratual.

Assim sendo, este princípio não se limita apenas aos deveres principais, como o pagamento e a entrega de um bem, visto que está igualmente relacionado com os deveres laterais, aqueles que não dizem respeito com os principais, como é o caso dos deveres de cuidado, segurança, cooperação, e inclusive de proteção à pessoa e ao patrimônio desta.

Até mesmo os contratos legítimos (aqueles que legitimamente são exclusiva e unicamente bilaterais) não devem ser analisados sob o olhar “individualista”, pois importante realizar, de modo aprofundado, as análises das funções sociais e econômicas da relação que está sendo observada.

Da boa-fé objetiva se extrai três funções principais, quais sejam: (a) critério hermenêutico; (b) deveres jurídicos anexos, conexos, laterais ou acessórios; e (c) limitação do exercício de direitos subjetivos. As três possuem relação direta e tem o intuito de delimitar a aplicabilidade do princípio.

a. Como critério hermenêutico, o princípio define que entre todas as alternativas, é preciso interpretar os contratos de acordo com o que se espera da lealdade e honestidade das partes. O próprio artigo 113 do Código Civil prevê que os negócios devem ser interpretados conforme a boa-fé.
b. Em relação aos deveres anexos, a boa-fé objetiva significa que os deveres não decorrem unicamente do contrato e suas cláusulas, porque independem da existência de manifestação de vontade dos contratantes. Esses deveres se correlacionam com a segurança, colaboração, cuidado e informação, como é o caso, por exemplo, do dever de informar que a loja de automóveis detém, quando um veículo sairá de linha, uma vez que o bem terá uma desvalorização substancial.
c. Quanto à limitação do exercício dos direitos subjetivos, trata-se das práticas abusivas de direito. Aliás, o Código Civil estabelece, no artigo 187, que comete ato ilícito quem “excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

Junto da boa-fé, o Código de Defesa do Consumidor adotou o princípio do equilíbrio econômico do contrato, prevendo, ao seu artigo 4º, “boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores”.

A finalidade do princípio está justamente no estabelecimento de proporção entre prestações e contraprestações, na relação contratual justa e proibição de abusos. Por várias vezes o princípio do equilíbrio econômico aparece de forma implícita no Código de Defesa do Consumidor, como é o caso do artigo 19, inciso V: “elevar sem justa causa o preço de produtos”.

Embora parte da doutrina defenda que os princípios da boa-fé e do equilíbrio econômico estejam integrados entre si (como parte da doutrina faz com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade), o importante aqui é a existência destes para a prática nas relações de consumo.

Outrossim, importante mencionar que além do Código de Defesa do Consumidor, a expressão boa-fé está também presente no Código Civil, conforme prevê os artigos 113, 187, 422, entre outros.

O fundo mútuo, formado pelo total dos prêmios puros dos segurados, é responsável pelo pagamento de todos os sinistros, inclusive os de origem ilícita. É por isso que a fraude atinge diretamente o consumidor e não a empresa, pois os lucros da seguradora estão sempre garantidos no pagamento do carregamento.

A fraude só tem um ganhador: o fraudador. Todos os demais segurados arcam com os custos desse crime, e é por isso que o valor do prêmio aumenta, pois é necessário que os segurados recomponham o fundo comum, a fim de garantir os compromissos com os demais consumidores. Por esses motivos, é preciso uma mudança no comportamento de todos (segurador, segurado e Estado), tendo em vista que a impunidade, além de gerar descrença nas instituições e relações privadas desse tipo, contribui para o aumento nos números de crimes.

O segurado que registra uma ocorrência policial contra o fraudador está agindo legitimamente em prol dos seus interesses – além do interesse coletivo –; é a máxima que permeia o princípio da solidariedade dessa relação. Fazer isso é evitar o atingimento de seu próprio patrimônio, além de todos os demais contribuintes do fundo comum. Caso prefira o silêncio, o consumidor deverá pelo menos ter a consciência de que ele próprio é quem arcará com o aumento da contraprestação.

Em 2016, no Seguro DPVAT, o valor cobrado para carros era de R$ 105,65 (cento e cinco reais e sessenta e cinco centavos); no ano seguinte, em 2017, o valor era de R$ 68,10 (sessenta e oito reais e dez centavos); uma queda considerável de mais de 30%. Em 2018, o valor cobrado foi de R$ 45,72 (quarenta e cinco reais e setenta e dois centavos), sendo que em 2019 o valor caiu para R$ 16,21 (dezesseis reais e vinte e um centavos), menos de 20% do valor cobrado em 2016. Por fim, em 2020, o valor foi de R$ 5,23 (cinco reais e vinte e três centavos), quase 5% do valor de 2016. No caso das motos, essa diferença é ainda maior, em 2016 o valor era R$ 292,01 (duzentos e noventa e dois reais e um centavo), caiu para R$ 185,00 (cento e oitenta e cinco reais) em 2017 e 2018. Em 2019, custou R$ 84,58 (oitenta e quatro reais e cinquenta e oito centavos) e por fim, em 2020, foi apenas R$ 12,30 (doze reais e trinta centavos).

A razão para essa redução dos valores é o total em caixa do fundo comum, de acordo com a SUSEP (Superintendência de Seguros Privados), nos últimos anos houve um excedente de 5.8 bilhões de reais. Ou seja, o valor arrecadado foi muito maior do que o valor pago em sinistros. Sem esse excedente no fundo comum, a redução de preços jamais seria possível.

O modelo de negócio jurídico é tão complexo que acontecem peculiaridades extraordinárias, que assim o torna extremamente diferente dos contratos tradicionais individualistas. Por exemplo, quando um segurado move uma ação judicial contra a seguradora, não é a vitória deste que beneficia todos os demais. Em verdade é justamente o contrário: só haverá benefícios para os segurados quando a empresa for a vencedora no processo, pois, caso contrário, todo o valor da sentença condenatória será repassado para os demais consumidores.

Se todos os sinistros, inclusive os fraudulentos, são pagos através do fundo mútuo dos segurados, isto é, às custas destes, enquanto os lucros da empresa estão sempre garantidos pelo pagamento do carregamento, pode-se afirmar que a verdadeira vítima da fraude é o consumidor.

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