AIDA dá sequência à ciclo de palestras virtuais
Debates foram conduzidos por Luís Antônio Giampaulo Sarro e tiveram as participações de Leonardo Carneiro Cunha, Rogéria Fagundes Dotti, Luiz Henrique Volpe e André Tavares
Na última quinta-feira (05), a Associação Internacional do Direito do Seguro – AIDA Brasil realizou a nona fase do ciclo de palestras de “Código de Processo Civil Anotado e Comentado”. A live foi apresentada e mediada pelo Presidente do GNT de Processo Civil, Luís Antônio Giampaulo Sarro. Teve as participações dos Professores Leonardo Carneiro Cunha e Rogéria Fagundes Dotti, que explanaram sobre os temas “Amicus Curiae” e “Conflito de competência”, respectivamente. Também contou com as presenças dos Professores Luiz Henrique Volpe Camargo e André Tavares, que contribuíram propondo reflexões e questionamentos as respeito dos assuntos abordados.
A cada quatro recursos especiais que chegam no STJ chega um conflito de competência. É uma quantidade grande e um instituto muito importante. A maioria ocorre entre juízes de recuperação judicial e juízes do trabalho ou juízes federais ou estaduais de execuções fiscais. “Este é um assunto tradicional, mas que poderia ter uma estrutura melhor no código. Ele não está efetivamente atualizado com as premissas do código. É preciso fazer uma leitura para que ele se ajuste nessa questão estrutural de contraditório, de flexibilização de competência”, disse Leonardo Carneiro Cunha.
O Conflito de competência tradicionalmente parte de uma premissa fundamental da exclusividade – de que definida a competência de um juízo todos os demais são incompetentes. Ele cabe quando dois ou mais juízes estiverem em conflito. É possível haver conflito entre o TST e um juiz estadual de primeira instância. Eles não são órgãos da mesma categoria, da mesma hierarquia ou da mesma justiça, mas é possível haver conflito. O que é preciso entender nesses casos é quem julga esse conflito.
Um conflito entre o TST e um juiz estadual de primeira instância é julgado pelo Supremo Tribunal Federal, porque há o envolvimento de um tribunal superior. Se forem órgãos vinculados à tribunais diferentes, como por exemplo, um juiz do trabalho e um federal, ele é julgado pelo Superior Tribunal de Justiça. Se for entre juízes vinculados ao mesmo tribunal é esse mesmo tribunal que julga. Um conflito entre juízes do trabalho é decidido na Justiça do Trabalho. O mesmo acontece na Justiça Eleitoral, a lógica é a mesma.
De acordo com o palestrante existem três expressões, o conflito de jurisdição, o de competência e o de atribuições. O primeiro deles se dá no âmbito internacional, o segundo no interno e o de atribuições acontece entre órgãos administrativos. “O código concretizou uma regra muito importante, que é a regra da competência do árbitro. Isso quer dizer que quem tem competência para dizer se é o árbitro quem julga é ele mesmo. Se o código consagrou a regra da competência, existe mesmo conflito de competência entre o juiz arbitral e o juiz estatal?”, questionou. Cunha mencionou também o conflito de competência 113260 que ocorreu entre duas câmaras arbitrais diferentes e que o STJ entendeu que a competência de julgamento era de um juiz de primeira instância.
Na visão do palestrante, a doutrina atual deixou de lado uma discussão antiga, a respeito da natureza jurídica do conflito de competência. Alguns defendiam que era uma ação e outros que era incidente. Segundo ele, não se admite no nosso sistema conflito preventivo, é preciso que o processo esteja em curso. Não é possível que se instaure um conflito antes de existir um processo. Também não é possível o conflito depois que a causa foi julgada, depois que se proferiu sentença, nem depois do trânsito em julgado. Ele não pode ser utilizado como sucedâneo recursal. “É um instrumento para resolver um conflito entre juízes e casos em que há divergências ou controvérsias sobre a reunião ou separação de processos. Pode ser instaurado por um dos juízes, por uma das partes no processo ou pelo ministério público,” contou.
Durante sua explanação o Professor apresentou ainda problemas atuais do conflito para sustentar a sua opinião de que a forma como ele está regulado necessita de um arranjo interpretativo para se ajustar às normas fundamentais e estrutura normativa do código. “O código deixa claro que o Ministério Público só intervém nos casos do artigo 178, em casos de intervenção obrigatória”, explicou.
Encerrando sua fala, o painelista adicionou que o compartilhamento de competência pode ser algo para evitar o conflito de competência. Ele acredita que os juízes podem compartilhar evitando o conflito. “O conflito competência pode ser usado para que haja um rearranjo uma rearrumação no próprio ato consertado em prol da eficiência”, concluiu.
Amicus Curiae
No segundo bloco da sessão, a advogada Rogéria Fagundes Dotti expôs a questão do amicus curie – o artigo 138 do código -, além de noções e ideias em relação ao nosso sistema processual atual. “Há pelo menos três características que me parecem muito marcantes em relação ao CPC 2015 e que tem uma profunda vinculação com essa intervenção de terceiros que traz qualificação para o debate”, contou.
Na visão da palestrante, a primeira característica marcante do livro fica por conta do dever de fundamentação das decisões judiciais, de como a obra procurou ampliá-lo, especificar e constituir o que seria uma decisão judicial não fundamentada. A exigência de fundamentação das decisões judiciais é algo bem antigo no nosso sistema, uma garantia constitucional, inclusive. Mas o código explicita, por meio do artigo 489, § 1º, o que vem a ser uma decisão não fundamentada. E dentre as hipóteses ele traz justamente aquelas situações em que o juiz não enfrenta os argumentos trazidos pelas partes.
“Faço aqui uma provocação em relação à ideia do amicus curiae. Os argumentos trazidos por ele tem que ser necessariamente enfrentados e debatidas por ocasião do julgamento. Vejam como o dever de fundamentação pode ser ainda melhor no nosso sistema processual se a gente permitir essa participação que qualifica ainda mais o debate nas decisões judiciais”, reforçou.
Para Rogéria, a segunda característica marcante do Código é a questão do contraditório efetivo, com poder de influência. É fundamental que os argumentos trazidos pelas partes sejam realmente analisados, ainda que para serem refutados. O juiz tem agora a obrigatoriedade de analisar tudo o que for trazido como argumentação. A terceira diz respeito às decisões vinculantes. O artigo 927 traz uma obrigatoriedade por parte de juízes e tribunais de observarem as decisões com esse caráter vinculante. “E aí vem um problema das pessoas serem afetadas nas suas esferas particulares por decisões em relação as quais elas não tiveram a possibilidade de participar. Aqui também a figura do amicus curiae ganha grande relevância”, apontou.
Falando especificamente sobre o instituto, Rogéria destacou que o amicus curiae é o “amigo da corte”. Segundo ela, essa é uma expressão utilizada para designar um terceiro que não tem interesse jurídico na causa, portanto não tem interesse em ser assistente, mas de alguma forma pode contribuir para o debate, para o que está sendo objeto da decisão judicial. Também citou o caso Brandeis Brief, no qual se constatou a importância de elementos externos não jurídicos – questões médicas, dados estatísticos e questões do direito comparado – em uma decisão na suprema corte nos Estados Unidos.
No Brasil, muito antes do CPC 2015 houve inúmeros exemplos de leis que previam a possibilidade da participação de amicus curiae. “Nós temos um exemplo em 1976 com a criação da Comissão de Valores Mobiliários. A lei que tratou do tema permitiu a possibilidade de uma atuação dessa comissão em todas as medidas judiciais que dissessem respeito a valores mobiliários. A CVM deveria atuar nesses processos judiciais como uma espécie de amicus curiae”, revelou.
Quanto às inovações trazida pelo CPC2015 em relação à figura do amicus curiae, a advogada destaca que o livro ampliou significativamente a participação desse importante instituto para uma melhor decisão judicial ao permitir que o juiz ou o tribunal determine essa participação. A intervenção pode ocorrer ainda em primeiro grau, independente do processo estar ou não já na fase recursal. Além disso, o código permite que essa intervenção de terceiros aconteça de ofício ou a requerimento, que pode ser das partes ou do próprio interessado que quer participar daquela discussão judicial. “E mais, o CPC veio a sacramentar esse entendimento de que poderia ser participação por uma pessoa jurídica ou física”, analisou.
Durante o painel, Rogéria também enfatizou alguns pontos que, segundo ela, são essenciais, como, por exemplo, os requisitos objetivos e subjetivos para haja a participação de amicus curiae, a especificidade do tema e a repercussão social que a decisão possa ter. “Deve haver ainda interesse institucional, neutralidade e trazer elementos extras, que não estão no processo”, esclareceu.
A advogada destacou ainda aspectos importantes referentes à recorribilidade, poderes, momento de intervenção e a limitação da participação do amicus curiae. A tendência é admiti-la apenas no limite e preservando uma espécie de paridade entre todos os argumentos e interesses discutidos no processo.
A Professora finalizou sua participação reforçando a importância da qualificação do debate, de se olhar por mais de um ângulo para a questão para se trazer mais riqueza em termos de argumento nas decisões que são tão vinculantes e afetam a vida de tantas. “Acho que o poder judiciário tem hoje um papel muito importante não apenas para decidir os conflitos entre partes, mas para estabelecer pautas de condutas de atuação para complementar o ordenamento jurídico. Cada vez mais essa questão de amicus curiae deve ser estimulada no nosso país”, concluiu a advogada
Debate
Ao fim de cada palestra André Tavares e Luiz Henrique Volpe contribuíram para os debates fazendo comentários, propondo hipóteses, refletindo e fazendo questões pertinentes aos temas apresentados.
O advogado André falou da ampla colocação de Leonardo Carneiro da Cunha sobre o instituto – conflito de competência, sua visão moderna do tema e as referências e relações por ele estabelecidas durante sua apresentação. “Na minha visão o conflito de competência exterioriza o conceito fracionário de jurisdição. Ele está aqui para ajudar o exercício da jurisdição”.
Luiz Henrique Volpe, um dos coordenadores do Código de Processo Civil Anotado e Comentado da AIDA, conjecturou sobre o fato da participação do amicus curiae estar condicionado a uma contribuição original e levantou uma questão dogmática, indagando à advogada Rogéria Fagundes Dotti se ela vislumbra que a manifestação do amicus curiae deva se dar em dois momentos, uma para o requerimento de ingresso e outra para apresentar a manifestação, ou se conviria uma peça única, perguntou, tendo a palestrante se posicionado no sentido de que o Código admite as duas formas.