Artigo: Sobrestamento no cível aguardando apuração criminal

Confira artigo da advogada Camila Perez, do C. Josias & Ferrer

Observado o cenário de insegurança do Mercado de Seguros quanto a vedação ao condicionamento do pagamento da indenização à conclusão de inquérito policial, antes disposta no Art. 75 da Circular Susep n° 302/2005 (revogada) e atualmente positivado no Art. 52 da Circular SUSEP nº 667/2022, publicada em 6 julho de 2022, propõe-se este exame à luz da hierarquia das normas no ordenamento jurídico.

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O direito relacionado ao objeto em análise, vem primordialmente autorizado pelo Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1996, em seu Art. 36, I, que dispõe que compete à SUSEP, na qualidade de executora da política traçada pelo Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP, como órgão fiscalizador da constituição, organização, funcionamento e operações das Sociedades Seguradoras, baixar instruções e expedir circulares relativas à regulamentação das operações de seguro, segundo as diretrizes do CNSP.

A Circular da SUSEP n° 302/2005 (revogada), dispunha sobre as regras complementares de funcionamento e os critérios para operação das coberturas de risco oferecidas em plano de seguro de pessoas, e dava outras providências sobre seguro de pessoas, sendo equivocada a extensão das suas disposições aos demais ramos securitários, primeiro ponto de delimitação sobre o tema.

Com a publicação da Circular SUSEP nº 667/2022, que revoga expressamente a Circular SUSEP nº 302/2005, mas que igualmente dispõe exclusivamente sobre o seguro de pessoas, a regra sobre o tema foi comprimida em relação ao texto anterior, todavia ratificada em seu sentido literal, senão vejamos:

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Circular SUSEP nº 302/2005 (Revogada)

Seção XI Da Liquidação de Sinistros

(…)

Art. 75. A tramitação do inquérito policial não é causa de indeferimento para o pagamento da indenização.

Parágrafo único. É vedado o condicionamento do pagamento da indenização à apresentação de documentos relacionados à tramitação e/ou conclusão de inquérito policial.

Circular SUSEP nº 667/2022 (Vigente)

Comunicação, regulação e liquidação de sinistros

(…)

Art. 52. É vedado o condicionamento do pagamento da indenização à conclusão de inquérito policial.

Conquanto a alteração do texto normativo, impende marcar que o legislador regulamenta acerca dos atos praticados no âmbito da regulação de sinistros, especificamente à fase de liquidação, conforme se identifica da seção/título em que o dispositivo está contemplado na Circular.

Depreende-se, pois, da interpretação fria e indubitavelmente quanto a estrutura definida pelo legislador, de que a aplicabilidade do dispositivo reflete à esfera administrativa, precisamente à fase de liquidação de sinistros, bem como de que a vedação se refere ao condicionamento do pagamento à conclusão do inquérito em tramitação, não obstando a negativa do sinistro por outro motivo, ou seja, não está se vedando o exercício da negativa motivada pela Seguradora nos casos em que envolvam investigação criminal em trâmite, somente quanto a suspensão do processo de regulação ou condicionamento da indenização por este motivo nos casos envolvendo apólices de seguro de pessoas.

Portanto, em tendo sido o sinistro recusado mediante carta negativa dissociada à conclusão do inquérito policial e com o posterior ingresso de ação judicial, não há mais se falar na aplicabilidade do Art. 52 da Circular SUSEP 667/2022 (Art. 75 da Circular SUSEP nº 302/2005, revogado).

Ademais, a Circular está submetida a hierarquia das normas, tendo o direito brasileiro por sua fonte principal a LEI. As leis apresentam uma ordem de hierarquia, onde as de menor grau devem obedecer às de maior grau, segundo a Pirâmide de Hans Kelsen.

Neste ponto, tendo o Código de Processo Civil natureza de lei ordinária, estão os Decretos e Circulares hierarquicamente subordinados às suas disposições, não cabendo contrariar a lei, mas apenas regulamentá-la, por isso inviável interpretação conflitante quando da análise conjunta dos normativos.

Prevê o Art. 315 do Código de Processo Civil, que o Juiz poderá, no âmbito de sua discricionariedade, determinar a suspensão do processo até se pronunciar a justiça criminal:

Art. 315. Se o conhecimento do mérito depender de verificação da existência de fato delituoso, o juiz pode determinar a suspensão do processo até que se pronuncie a justiça criminal.

    • 1º Se a ação penal não for proposta no prazo de 3 (três) meses, contado da intimação do ato de suspensão, cessará o efeito desse, incumbindo ao juiz cível examinar incidentemente a questão prévia.
  • 2º Proposta a ação penal, o processo ficará suspenso pelo prazo máximo de 1 (um) ano, ao final do qual aplicar-se-á o disposto na parte final do § 1º.

Assim, tem o juiz cível a faculdade, segundo critérios de conveniência e oportunidade, de determinar a suspensão do processo cível, se o reconhecimento do mérito depender de verificação de existência de fato delituoso, o que pode ser provocado justificadamente pelas partes.

Sendo o Decreto-Lei que a autoriza a SUSEP à expedição de Circulares e a própria Circular subordinadas hierarquicamente à Lei Ordinária, neste caso o Código de Processo Civil, prevalece a faculdade do juiz quanto a suspensão da ação cível até o desfecho do inquérito policial, que poderá ser suspenso pelo prazo máximo de 1 (um) ano, se proposta a ação penal em até 3 (três) meses contados da intimação do ato de suspensão, sob pena de cessar o efeito desse.

Entende-se que o tema, devidamente sistematizado à luz da hierarquia das normas, levado ao enfrentamento do Judiciário, é de suma relevância para o fim de determinar o exercício das Seguradoras mediante precedente que contemple a discussão, tendo em vista que entendimento obscuro tem causado insegurança no Mercado e, na prática, extensão da aplicabilidade do dispositivo a todos os ramos do seguro.

Assim, conclui-se que o Art. 52 da Circular SUSEP 667/2022 aplica-se ao ramo do seguro de pessoas, não se estendendo aos demais ramos do seguro; versa sobre o condicionamento da decisão indenitária na esfera administrativa, não obstando a negativa fundada nas condições gerais do contrato não relacionadas à conclusão do inquérito policial; na hipótese de  ingresso da ação judicial, não há óbice ao juízo cível o sobrestamento do feito com o fim de verificação da existência de fato delituoso de procedimento criminal, à luz da hierarquia das normas no ordenamento jurídico.

*Camila Perez, Graduada em Direito pela PUC/RS, pós-graduada em Direito público pela FMP e atualmente está cursando pós-graduação em Ciências Criminais pela Verbo Jurídico. Faz parte da equipe de combate a fraude do CJOSIAS & FERRER ADVOGADOS ASSOCIADOS.

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