As provas indiretas de embriaguez ao volante e sua aceitação pelo Poder Judiciário

Artigo de autoria de Luiz Felipe Amabile Loch, Advogado e Sócio da CJosias & Ferrer – Advogados Associados

Dirigir sob a influência de álcool é um problema grande que afeta a segurança em ruas e estradas de todo o mundo. A embriaguez ao volante é uma das principais causas de acidentes fatais, representando um risco significativo tanto para os motoristas quanto para os pedestres. Embora as leis de trânsito no Brasil sejam rigorosas quanto ao tema, comprovar a embriaguez de um motorista e demonstrar que essa foi causa determinante para o acidente tem sido tarefa de grande dificuldade para as seguradoras no Brasil, uma vez que o judiciário brasileiro tem entendimento consolidado que embriaguez, por si só, não configura a exclusão da cobertura securitária em caso de acidente de trânsito, ficando condicionada a perda da indenização à constatação de que a embriaguez foi causa determinante para a ocorrência do sinistro.

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A título de esclarecimento, nas condições gerais das apólices de seguro, a embriaguez ao volante é qualificada como agravamento de risco, que é quando o segurado age de uma forma que aumenta substancialmente a probabilidade de ocorrência de sinistro. As seguradoras, portanto, usualmente inserem cláusulas excludentes de cobertura para sinistros ocorridos sob embriaguez, sustentando que tal condição representa um risco não aceito no contrato.

Quanto à legislação, o Código de Trânsito Brasileiro, no seu artigo 306, tipifica como crime o ato de conduzir veículo automotor embriagado. E no seu parágrafo segundo traz expresso os meios comprobatórios para constatação da embriaguez.

Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº 12.760, de 2012) Penas – detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

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§ 1o As condutas previstas no caput serão constatadas por
I – concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar;
ou
II – sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora. (Incluído pela Lei nº 12.760, de 2012)
§ 2o A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia ou toxicológico, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova.

Atualmente, os principais métodos para comprovação de embriaguez ao volante são testes de bafômetro, exame de sangue e saliva, os quais podemos chamar de provas diretas.

Contudo, não são raros os casos nos quais os condutores se recusam a fazer o teste do etilômetro, ou se evadem do local antes da chegada dos agentes de trânsito ou policiais.

Exemplo mais recente dessa situação (não realização do teste do bafômetro e exame de sangue) ocorreu na cidade de São Paulo/SP, na madrugada do dia 31/03, no qual um empresário, dirigindo um veículo Porshe em velocidade superior a 100 km/h, bateu em um Renaut Sandero, conduzido por um motorista de aplicativo que infelizmente veio a óbito.

Dessa forma, em situações assim, a suposta embriaguez deve ser comprovada através de outras formas, as quais podemos chamar de provas indiretas, que seriam, segundo o disposto no parágrafo segundo do artigo 306 do CTB, o “exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal”.

Os tribunais brasileiros, em sua maioria, têm reconhecido a validade das provas indiretas em várias decisões, admitindo que a embriaguez pode ser comprovada por meio de elementos indiciários, como a confissão do condutor, sinais visíveis de embriaguez (falar arrastado, dificuldade de equilíbrio, hálito etílico, depoimentos de testemunhas e imagens de câmeras de segurança).

No tribunal de Minas Gerais, por exemplo, a Desembargadora Dra. Valéria Rodrigues Queiroz, relatora da Apelação nº 10024080767452002, nega provimento ao recurso da parte autora, uma vez que havia nos autos provas irrefutáveis da embriaguez do condutor, mesmo tendo havido a recusa do mesmo a se submeter a realização de exame de sangue para a constatação da dosagem do teor alcoólico. Abaixo segue trecho do voto:

“(…) Constou, ainda, que ele se recusou a fazer exame de sangue para dosagem do teor alcóolico. Nesse ponto, mister destacar que, mesmo que o teste de alcoolemia ou de bafômetro correspondam aos métodos mais precisos para se constatar a existência da condição e do grau de embriaguez, fato é que não são os únicos capazes de esclarecer tal condição, a qual poderá restar evidenciada por meio de outras provas, inclusive por meio de exame clínico feito por autoridade competente, exatamente como se deu na hipótese.”

Válido trazer, também, mais uma decisão, agora do Tribunal de Justiça do Paraná, que em virtude da ausência de teste do bafômetro e exame de sangue, considerou que a embriaguez foi constatada no Boletim de Ocorrência e no Laudo Médico hospitalar:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA DE INDENIZAÇÃO DE SEGURO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS INICIAIS. INSURGÊNCIA DA AUTORA. CONTRATO DE SEGURO DE VEÍCULO. CLÁUSULA DE EXCLUSÃO DA COBERTURA EM RAZÃO DA EMBRIAGUEZ DO CONDUTOR DO VEÍCULO SEGURADO. AGRAVAMENTO DO RISCO VERIFICADO. ART. 768 DO CÓDIGO CIVIL. RECUSA EM REALIZAR O TESTE DE BAFÔMETRO. EMBRIAGUEZ CONSTATADA NO BOLETIM DE OCORRÊNCIA PELOS BOMBEIROS E NA FICHA MÉDICA DO HOSPITAL. NEXO CAUSAL ENTRE O ESTADO DE EMBRIAGUEZ E O ACIDENTE DE TRÂNSITO VERIFICADO. AUSÊNCIA DE DEVER DE COBERTURA CONTRATUAL. SENTENÇA MANTIDA. HONORÁRIOS RECURSAIS DEVIDOS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJPR – 8ª C. Cível – 0026703-32.2019.8.16.0017 – Maringá – Rel.: DESEMBARGADOR MARCO ANTONIO ANTONIASSI – J. 02.03.2021)

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul igualmente tem valorado as “provas indiretas” para comprovação da embriaguez de condutores. Nos autos da Apelação n 50218942620168210001, a Desembargadora Relatora Dra. Lusmary Fatima Turelly da Silva refere que “Muito embora a parte recorrente alegue que a embriaguez não foi comprovada nos autos, as provas acostadas ao feito são hábeis a atrair a cognição de que o condutor do automóvel estava dirigindo sob influência de álcool quando da ocorrência do sinistro. Analisa-se de forma conjunta os elementos de prova trazidos ao caderno processual, em especial o Boletim de Ocorrência nº 6964/2015, o Inquérito Policial realizado, as manifestações obtidas pelos autos do Processo Crime nº 001/2.16.0054991-6, a comanda de consumação do estabelecimento que o condutor frequentava momentos antes do acidente, bem como o depoimento do informante (que estava no evento danoso) nessa esfera cível e sua declaração na esfera penal”.

Trazendo novamente para reflexão o caso envolvendo o empresário do Porshe, necessário informar que atualmente o mesmo se encontra preso, aguardando julgamento das acusações de Homicídio com Dolo Eventual e Lesão Corporal Gravíssima. Trata-se de um legítimo caso no qual não houve prova direta para comprovação da embriaguez (não há exame de bafômetro ou exame toxicológico), mas o estado etílico restará devidamente confirmado por provas indiretas, uma vez que há 1) um vídeo demonstrando a alta velocidade no qual conduzia o veículo (já constatado que dirigia na velocidade de 114,8 km/h, 2) um dos passageiros do veículo, então amigo do empresário, feriu-se gravemente e no hospital prestou depoimento à Polícia afirmando que consumiram bebida alcoólica em uma festa e 3) a namorada do empresário entregou um vídeo ao Ministério Público no qual mostra o condutor do Porshe com a voz visivelmente “arrastada.”

Sendo assim, é incontroverso que no campo legal e jurídico, a legislação e os processos (cíveis e criminais) têm tornado cada vez mais pesada as condenações para os casos de condutores que dirigem embriagados. Mas e a questão moral dessa postura? Casos como o do empresário servem como um lembrete e um alerta da responsabilidade individual de cada pessoa acerca da necessidade de termos comportamentos seguros e éticos na condução de veículos automotores. Portanto, cabe a nós, como sociedade, fazer tudo que estiver ao alcance para reduzir esse tipo de conduta, fomentando, cada vez mais, uma cultura de responsabilidade, segurança e educação no trânsito. Nos parece relevante que o Judiciário passe a ser mais rigoroso com casos do tipo, aceitando com mais frequência provas indiretas de embriaguez e de nexo causal. Nossa sociedade clama por isso. Chega de mortes no trânsito.

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