Carlos Josias: e o fogo apagou

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Confira artigo do advogado sócio fundador e diretor da CJosias & Ferrer Advogados Associados, Carlos Josias Menna de Oliveira

Em 30.04.2024, numa terça feira, a JRS publicou texto nosso sob o título, INCÊNDIO NA POUSADA, logo a seguir transcrito, dando conta de misterioso e suspeito incêndio em pousada de Porto Alegre que deixou feridos e mortos, com a Polícia mais do que intrigada, mas bastante ocupada face precedentes no grupo do prédio sinistrado e diante de uma tragédia impactante.

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Diz o artigo.

Fato público, triste e lamentável, como todos do tipo, foi o incêndio em uma Pousada de Porto Alegre que resultou na morte de 10 (dez) pessoas e outras 15 feridas na sexta feira 26.04, em local criado para abrigar pessoas em vulnerabilidade social – espantosa ironia, foram mortas e queimadas no lugar – situada na Av. Farrapos, entre as ruas Barros Cassal e Garibaldi – que lhes serviria de abrigo.

Seriam 30 moradores no prédio e que estavam no local quando teve, em meio à madrugada, início o fogo que prosseguiu num cenário de puro terror com pessoas se jogando dos andares segundo e terceiro.

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Não se sabe a causa, mas há suspeitas de ter sido criminoso.

Destas 30 pessoas 16 estavam sendo custeadas pelo Município de Porto Alegre via contrato entre as partes que, segundo se tem notícia alcançaria um total de 2,7 milhões por doze meses, tendo sido renovado em dezembro de 2023 com aumento percentual em principio difícil de entender.

O Grupo Pousada da Garoa enfrenta seu segundo incêndio trágico, em menos de dois anos, novembro de 2022 outro imóvel seu, na Jerônimo Coelho, centro histórico, matou uma pessoa. Na ocasião se constatou a existência anterior de um protocolo na Câmara Municipal de Porto Alegre com denúncia sobre a péssima situação do local.

A avenida Farrapos passa por bairro do mesmo nome e desde sua criação passou a ser uma das principais avenidas da cidade – na época a principal e até hoje talvez a maior, liga o centro histórico – e é caminho para o Aeroporto – aos bairros, Navegantes e Humaitá onde se localiza a ARENA do Grêmio.

Existente como proposta desde 1914 sua construção teve início em 1939, findando no ano seguinte na Gestão do Prefeito Loureiro da Silva com denominação anterior de Av. Minas Gerais. Conta a lenda que sua construção sofreu críticas pela “imensidão” da artéria considerando a cidade na ocasião – hoje ficou pequena. Chegou a servir de pista de corridas para os aficionados do esporte muito praticado por aqui em tempos passados. Inicialmente com calçamento de paralelepípedo recebeu concreto na década de 70.

Primeiro corredor de ônibus da cidade hoje também ostenta um símbolo de Porto Alegre, a estátua do Laçador, próxima ao aeroporto.

Perdeu muito de sua importância com o passar dos anos e atualmente amontoa edificações velhas, mal conservadas e muitas em estado de total abandono antro de difícil trânsito característica, de lugares no estilo.

Entre estes prédios se vê esta Pousada, talvez não tão sinistra como a narrativa de outros que se pode ver ao longo do percurso da rua mas, com certeza, em precário estado.

Algumas circunstâncias chamam atenção.

O Grupo da Pousada conta com rede de 35 unidades com vagas compradas pela Administração Pública para abrigar pessoas vulneráveis, moradores de rua para ser exato.

A Prefeitura determinou investigação face contrato com a Rede que atende 320 pessoas.

O MP instaurou Inquérito Civil. Faltou só o “Bispo de Olhos vermelhos implorando vai com ele vai Geni”. Depois da tragédia todo mundo se mexe. A Boate Kiss foi esquecida rapidamente.

A Pousada não detém Alvará porque posssui isenção legal do procedimento, pois considerada de “baixo risco”.

Funcionava com Emissão de Autodeclaração de dispensa de Alvará em face de Lei Complementar Municipal n. 876/2020.

Não possuía PPCI, as explicações sobre isto, partidas do próprio Corpo de Bombeiros são pouco esclarecedoras, confusas, e se sabe que ali era local onde a droga corria tranquila, uma cracolândia para não dourar a pílula.

Ambiente de alto risco, sem dúvida.

Enfim tem especulações de tudo quanto é lugar inclusive sobre a origem da lei e dispensa do Alvará com contribuição preciosa de figurões da república.

Senhores, não ouvi até agora falar em contrato de seguro, mas é muito provável que exista. Militei anos em depto de Sinistros antes de advogar. Confesso que este é um caso a ser estudado. Vai dar trabalho, mas tem muito material para exame, se vigorar contrato securitário.

Por um lado um caso tão triste mas tão triste e estranho que não dá para dizer que é um bom caso por outro lado (o de enfrentar esta regulação do sinistro e a decisão sobre pagar ou não).

Penso que muito ainda terá de ser apurado. Aguardemos, enquanto isto, e que haja um desfecho justo.]

Aqui findava o texto.

Pois bem, o tempo seguiu, e fatos outros aconteceram.

Significativos.

Mais infelizmente ainda, muito pouco tempo depois, na verdade dois dias depois do fato, em 28.04 desabou o mundo sobre Porto Alegre – em forma de água – numa estupenda, e jamais vista, enchente que provocou danos de todos os tipos numa catástrofe inigualável que ceifou centenas de vidas, desabrigou milhares de pessoas e deixou um rastro de quase interminável de destruição.

O Lago subiu quatro metros em cinco dias e seguiram-se cortes de energia elétrica, e água, com o prefeito recomendando que as áreas mais vulneráveis da cidade fossem abandonadas pela população.

O Estado todo foi atingido cruelmente.

Clima apocalíptico

Pelos dados oficiais a calamidade maior da nossa história, com inundação de mais de 30% da área da cidade, se estendeu até meados de maio, quando a curva de tendência se inverteu e o Guaíba deu início a uma trajetória de baixa nos seus 5,12 metros daquele dia depois de alcançar os incríveis 5,35 em 05.05, no pico da enchente.

Ali foi o começo do fim.

Mas não foi ali o final mas ali começava a ter fim, a inundação – não suas repercussões com os problemas advindos dela.

Foi a maior cheia documentada em 150 anos de medições do Guaíba, superando com folga a famosa hecatombe de 1941, até então uma referência em termos desdita.

A cidade ficou atormentada, destruída, sombria, sucateada, com as pessoas entristecidas e preocupadas – muitas desesperançadas – com o futuro.

Os problemas, naturalmente, foram cedendo às prioridades elegidas de imediato em todos os segmentos.

As marcas estavam por todos os lados e nas paredes dos prédios ficaram registradas como indicadores do tamanho do dilúvio.

Gigantesco.

Até hoje se contam as perdas, que foram, em parte considerável, irrecuperáveis.
E o incêndio na Pousada?

Parece ter ficado para trás.

Deixou de ser notícia.

Eu, pelo menos, não localizei mais nada.

Não se sabe os rumos das apurações, tampouco se houve ou não perícia, o que seria fundamental para apreciar as circunstâncias do fato.

Aliás sequer se sabe ter havido início de investigação.

Não se sabe, também, oficialmente, se o prédio possuía ou não apólice contra incêndio.

O lugar do risco talvez nem suporte mais apreciação que viabilize alguma apuração efetiva, já que em local da cidade bastante atingido pelas águas e, com certeza, com muitos danos à edificação que se mantém de pé por milagre, mas que se não se transformou em escombros, está prestes.

Estará, provavelmente, incluído nos casos sem solução e esquecidos.

As águas apagaram o fogo.

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