Ministro do STJ defende autorregulação para evitar judicialização da Proteção de Dados

Encontro foi realizado durante a programação da Conseguro, evento promovido pela CNseg

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Os desafios impostos pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) ao mercado de seguros foram destaques do painel “LGPD, conversa com o Judiciário”, realizado dentro da programação da Conseguro no dia 1º de outubro, com a presença do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Ricardo Villas Bôas Cueva. Participaram, ainda, deste encontro promovido pela Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), a diretora da Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD), Miriam Wimmer, e o diretor da Superintendência de Seguros Privados (Susep), Vinicius Brandi. A mediação foi de Glauce Carvalhal, superintendente Jurídica da CNseg.

Glauce Carvalhal abriu o painel destacando que os desafios são imensos e que a nova lei representa uma mudança de paradigma. Para a especialista, a LGPD dá uma dimensão pública ao direito à privacidade e intimidade. A proteção de dados é uma dimensão da cidadania. Para o setor de seguros a proteção de dados é essencial, visto que a informação é insumo da atividade.

“Os dados são essenciais para que o segurador possa fazer uma análise adequada do risco, precificá-lo e tornar a sua atividade sustentável”, disse Glauce ao alertar que o setor faz distinção dos dados com vistas a correta precificarão do risco, mas não realiza discriminação – que é vedada pela LGDP.

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Já Ricardo Cueva defendeu a importância do modelo de tutela dos direitos individuais. “A própria LGPD traz um novo conceito de incidência normativa. O seu modelo inspirador é o Regulamento Geral de Proteção de Dados da Europa. Nós continuamos a nos fundar no modelo de tutela dos direitos individuais, essenciais para que o sistema tenha força e eficácia, temas fundamentais para que alcancemos uma proteção de dados efetiva. É, também, um cuidado grande com o modelo de incidência normativo baseado na gestão de risco”.

Cueva elogiou a atuação da CNseg e sugeriu a criação de um código de conduta para o setor segurador. “A Confederação já tem um excelente guia de boas práticas, resultado de um trabalho longo, profundo e detalhado de diálogo com as empresas de seguros. Mas ainda não tem as mesmas características dos programas setoriais, como o código de conduta alemão, por exemplo”, acrescentou.

Por fim, o ministro sugeriu que a autoridade de proteção de dados e a Susep cooperem de maneira mais intensa. Uma maior proximidade contribuirá para que programas se tornem uma realidade, com caráter vinculante e sanções aplicáveis. Assim, será possível caminhar para a autorregulação, de modo que o papel do poder Judiciário, de controle da legalidade e da obediência da LGPD, seja reduzido a uma questão secundária. Isso também contribuirá para evitar a judicialização, o que implica na decisão pelos reguladores setoriais e pela autoridade de proteção de dados. Por sua vez, Glauce comentou que a possibilidade da autorregulação sempre a motivou. “Foi dado meio passo com o nosso manual. É o início do caminho, para uma autorregulação”, justificou.

Segundo Vinicius Brandi, diretor da Susep, a informação é matéria prima do mercado de seguros, e é a informação que permitirá o mercado lidar com as incertezas. Para que a relação contratual seja eficiente para a economia como um todo e com preços sejam definidos de maneira justa e compatível com os ricos do contratante, é preciso lidar com a questão da simetria informacional. “Assim, podemos conseguir um mercado com mais coberturas e acesso a um número maior de pessoas”, citou.

Miriam Wimmer destacou que vê com bons olhos o mecanismo da elaboração de códigos de conduta e guia de boas práticas pelos setores, e parabenizou a CNseg pela elaboração de um guia de boas práticas como um primeiro esforço nesse sentido. O setor de seguros é talvez um dos campos mais complexos da aplicação da LGPD, pois, é baseado nas incertezas e avaliação de riscos para fins de precificação. Assim, Miriam propôs que o tema de seleção de riscos no setor de seguros talvez pudesse ser enquadrado em um debate mais amplo sobre personalização, preços, conteúdos personalizados, e algoritmos que oferecem possibilidade de personalização, não apenas a luz dos princípios associados a personalidade humana, como dignidade da pessoa humana, igualdade e isonomia, mas também compaginando com os princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência que também são invocados pela LGPD.

A LGPD não veda a formação de perfis, mas indica uma série mecanismos de proteção ao titular, por exemplo: revisão de decisões automatizadas, direito a explicação dos critérios e procedimentos para as decisões automatizadas observado sempre o segredo comercial e industrial.

Miriam, concluiu, alertando que “estamos em um momento singular, em que entra em vigor uma legislação nova, complexa, transversal e que gera impactos em todos os setores da economia e setores do poder público, e temos a oportunidade e o privilégio juntamente de construir juntos essas interpretações, e entender os limites e possibilidades trazidos pela LGPD quando aplicada a setores específicos e sempre levando em consideração a necessidade de interpretação harmonizada, sistemática do ordenamento jurídico reconhecendo que também existem também as normas setoriais que incidem sobre essas atividades, e assim temos um grande desafio e oportunidade de fortalecer esses diálogos institucionais”.

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