Um dos maiores sinistros da história: a recuperação judicial das Lojas Americanas e o seguro de crédito
Confira artigo do Dr. Lúcio Roca Bragança, sócio da Agrifoglio Vianna Advogados Associados
Em 11 de janeiro último, as Lojas Americanas divulgaram haver inconsistências contábeis na ordem de R$ 20 bilhões em seus balanços. Com o risco nítido e iminente de quebra, as ações (AMER3) vieram despencar 80% já no dia seguinte e, na sequência, veio o rebaixamento de notas de crédito e o bloqueio de recursos por parte dos Bancos com irreversível impacto na capacidade operacional da empresa.
Na data de hoje, 19/01/2023, consumando-se as expectativas, a empresa ingressou com seu pedido de Recuperação Judicial, afirmando uma dívida de R$ 43 bilhões para mais de 16 mil credores. Especificamente para o setor de seguros, estima-se que a Recuperação atraia a incidência de coberturas securitárias no ramo Crédito em valores que variam de R$ 1,2 a R$ 3 bilhões, o que constituiria um dos maiores sinistros da história do mercado segurador brasileiro.
O seguro de crédito é aquele por que a Seguradora se obriga a indenizar o segurado em razão das perdas causadas pela mora prolongada e/ou Insolvência do comprador em face do segurado. No caso específico das Lojas Americanas, ela adquire de seus fornecedores os produtos para a venda mediante a promessa de pagamento futuro (compra a prazo), operação bastante capilarizada no mercado nacional como se infere dos seus 16 mil credores noticiados na petição judicial.
Não é preciso muito esforço para perceber que o seguro de crédito constitui valiosíssimo instrumento de desenvolvimento econômico, pois, além do objetivo imediato de proteção contra a inadimplência, permite ao segurado ter uma maior solidez financeira, com ganhos de credibilidade, reputação e margem para redução de preços e vantagens concorrenciais. Uma empresa desprotegida que tenha margem de lucro de 5%, por exemplo, caso tenha um calote de R$ 200 mil, terá de fazer vendas no montante de R$ 4 milhões para recompor o prejuízo.
Releva notar ainda que não se trata de um produto de abrangência universal, visto não cobrir as transações com pessoas físicas (imprevisibilidade do risco) e com a administração pública (dificuldade de sub-rogação), além de não cobrir eventos ligados a riscos extraordinários (guerra, desastres naturais, acidentes nucleares), ou má-conduta do segurado, como atos dolosos e fraude.
Isso significa que, se as “inconsistências contábeis” das Americanas vierem a ser consideradas fraudulentas, não haverá cobertura?
Eventual fraude das Americanas não afeta a cobertura do seguro de crédito, pois não se trata de ato praticado pelo segurado (fornecedores). Quem entregou seus produtos às Americanas em operação de venda a prazo, naturalmente nada fez de ilícito e tem direito ao recebimento do preço correspondente. Portanto, trata-se de risco coberto, que, se confirmada a cifra máxima estimada em R$ 3 bilhões, corresponderá à metade de tudo que se pagou no ramo vida por conta de Covid-19 desde o início da pandemia.