Marcelo Camargo: Seria o fim do Seguro de Vida em Grupo?

Advogado do escritório Agrifoglio Vianna analisa entendimento pelo dever de informação exclusivo do estipulante por parte do STJ

A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em sessão realizada em 15 de junho de 2021, concluiu julgamento do Recurso Especial nº 1.850.961/SC, que tinha como objetivo alinhar (ou não)seu posicionamento ao da 3ª Turma, que no Recurso Especial nº 1.825.716/SC, havia definido que, em seguros de vida em grupo, o dever de informar o segurado sobre as coberturas é exclusivo do estipulante.

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O resultado foi, por maioria, pelo alinhamento com a 3ª Turma, de modo que agora, a 2ª Seção do STJ passa a ter entendimento consolidado no mesmo sentido. Consequentemente, resta isenta a Seguradora de prestar indenização securitária sob tal fundamento, pois falha sua não houve.

Os debates da sessão de julgamento, com manifestações espontâneas dos Ministros, demonstraram diferentes visões do Direito, o que é salutar acima de tudo. A sessão de julgamento é onde a Justiça acontece, na forma mais pura e romântica; o Estado-Juiz, na pessoa de cada integrante do órgão colegiado, debate o tema e chega a uma conclusão, uma solução para o caso concreto, mas que, devido ao protagonismo do sistema de precedentes, gera efeitos para todos os demais casos semelhantes que tramitam no Judiciário de primeiro e segundo graus. Portanto, não há dúvida, o impacto desta decisão do STJ é grande.

De todos os argumentos verificados, o que mais chamou atenção foi aquele defendido pelos Ministros vencidos. Segundo eles, diante desta responsabilização exclusiva, o estipulante (geralmente empresas de médio e grande porte)se veria desestimulado a contratar um seguro de vida em grupo. Significa que, se for para assumir a responsabilidade exclusiva de informar o segurado, melhor seria não oferecer o seguro aos funcionários.

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Este argumento encontra uma série de óbices, tanto na legislação infraconstitucional como na própria Constituição Federal.

De início, o que determina o dever de informação do estipulante, e não da seguradora, é basicamente a mecânica e a forma pela qual se dá a contratação deste tipo de seguro, o papel que cada um desempenha especialmente na fase pré-contratual. Neste sentido, é o estipulante o tomador do seguro, que em nome do grupo segurado, em geral a ele vinculado (funcionários, por exemplo), contrata da seguradora uma apólice com determinadas coberturas. É a chamada apólice mestra.

Somente em um segundo momento os vinculados ao estipulante podem aderir ao grupo segurado. Em alguns casos e ramos de atuação, a adesão é obrigatória, como por exemplo ocorre com a classe de vigilantes, fruto de obrigação decorrente do Decreto nº. 89.056/83, regulamentado pela Lei nº. 7.102/83. Portanto, a adesão de cada segurado se dá em momento posterior à celebração da apólice mestra, às vezes, de forma compulsória.

Esta mecânica jurídica somente é possível a partir da condição de mandatário que o estipulante ostenta, prevista no art. 21, §2º, do Decreto-Lei 73/66 (Art. 21. (…). § 2º Nos seguros facultativos o estipulante é mandatário dos segurados), e o art. 801, §1º do CC/02 (Art. 801. (…). § 1º O estipulante não representa o segurador perante o grupo segurado, e é o único responsável, para com o segurador, pelo cumprimento de todas as obrigações contratuais).

Portanto, sob o aspecto infraconstitucional, não subsiste o argumento de que o estipulante seria desestimulado a contratar o seguro em grupo, primeiro porque em alguns casos a contratação é obrigatória, seja por lei, seja por Dissidio Coletivo da categoria, e segundo, porque o dever de bem informar o segurado advém da cronologia dos atos pré-contratuais e da atuação própria de cada participante, amparada a do estipulante na condição de mandatário que a lei lhe confere.

Outro óbice, desta feita de ordem constitucional, está no princípio da livre iniciativa, estabelecido no art. 170, da CF/1988. Conforme Ricardo Marcondes Martins: “O que significa atividade econômica livre? Quer dizer que, em princípio, o administrado pode livremente decidir se vai ou não explorá-la, como, quando e onde vai fazê-la, quanto vai exigir para explorá-la. […] Dizer que a atividade é privada é dizer que o agente econômico tem um amplo espaço de livre decisão. Perceba-se: ao menos num primeiro momento, só a lei pode restringir a liberdade econômica. Na falta de lei, ela é, em regra, livre; só excepcionalmente a liberdade econômica é diretamente restringida pelos demais princípios constitucionais”. (MARTINS, Ricardo Marcondes – Regulação administrativa à luz da Constituição Federal – São Paulo: Malheiros, 2011. p. 240).

A atividade fim de uma empresa que contrata como tomadora um seguro de vida e grupo para seus funcionários não está relacionada à prestação de garantia securitária. Não se submete ela aos exigentes regramentos da Superintendência de Seguros Privados (Susep), não precisa ela demonstrar capacidade financeira a amparar o equilíbrio matemático atuarial com objetivo de garantir a saúde do fundo mutual. Estas são obrigações das seguradoras.

Estas sim, tem em sua atividade fim justamente a prestação da garantia securitária sobre um legítimo interesse segurado desde que contra riscos pré-determinados, atividade que exercem de forma regulada.

Para este fim, a seguradora precisa proteger a mutualidade e isto inclui pagar sinistros que efetivamente sejam devidos conforme as regras contratuais, o que obviamente exclui aqueles eventos que não se enquadram na cobertura ou são riscos estranhos ao previsto no contrato.

Se esta é a atividade fim, é justamente aqui que deve recair a proteção, o cuidado, o olhar atento do Judiciário, pela preservação da mutualidade, que em última análise, estimula a livre iniciativa do segurador. É aquele que exerce finalisticamente a atividade securitária quem deve ser protegido.

O pano de fundo de uma ação que tem a falha do dever de informação como fundamento é, justamente, a pretensão de um segurado a receber algo que, em termos de garantia securitária, não era coberto, não era previsto, portanto, indevido.

Impor ao segurador o pagamento da importância segurada por um evento fora da cobertura, isto sim pode colocar em risco a continuidade do produto, e pelo princípio da livre iniciativa, pode o mercado segurador simplesmente deixar de oferecer tal modalidade.

Não se trata de uma opção, de uma simples escolha entre a quem responsabilizar pelo dever de informação, mas certamente, se esta era a premissa do fundamento dos Ministros vencidos no referido julgamento, esta obrigação não pode ser imposta a quem depende do correlato equilíbrio matemático para exercer a sua atividade fim.

Se as empresas que têm sua atividade fim se desinteressarem em oferecer o seguro de vida em grupo, pergunta-se, qual setor preencherá esta lacuna? Ou ainda, qual o impacto social e econômico decorreria do fim da modalidade do seguro de vida em grupo?

É neste ponto, por este viés, que se conclui como equivocado o fundamento defendido pelos Ministros vencidos, e acertada a decisão da maioria da 4ª Turma do STJ, que em linha com a 3ª Turma, consolida a “correção de rumos” lá manifestada, em prol da boa técnica securitária, em especial nesta modalidade de vida em grupo, em que uma gama de pessoas, em geral trabalhadores, tem acesso à cobertura por um custo diluído e relativamente baixo, quase sempre custeado pelo empregador, o que fortalece o seguro enquanto instrumento de desenvolvimento econômico e social.

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