Considerações sobre o julgamento do STJ acerca do tema repetitivo 1112 – do dever de informação quanto às cláusulas do seguro de vida em grupo

Confira o artigo  dos advogados Luiz Felipe Amabile Loch (OAB 76.173) e  Renata Trindade de Souza (OAB 56.165) do escritório C.Josias & Ferrer Advogados Associados

No dia 10/03/2023, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) publicou decisão importante relacionada ao julgamento do tema 1.112, que trata do dever de informação exclusivo do estipulante em contratos de seguro coletivo.

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C Josias & Ferrer no JRS

No que tange ao contrato de seguro, especificamente o seguro de pessoas, cumpre elucidar que o Código Civil, no seu artigo 801 fala que “O seguro de pessoas pode ser estipulado por pessoa natural ou jurídica em proveito de grupo que a ela, de qualquer modo, se vincule”.

Na sequência, o parágrafo primeiro prevê que “O estipulante não representa o segurador perante o grupo segurado, e é o único responsável, para com o segurador, pelo cumprimento de todas as obrigações contratuais”.

Acerca do tema, houve instauração de divergência de entendimento no Superior Tribunal de Justiça, tema 1112 Processos: REsp 1.874.811/SC e REsp 1.874.788/SC, cuja relatoria ficou a cargo do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, submetendo a julgamento a definição se caberia à seguradora e/ou ao estipulante o dever de prestar informação prévia ao proponente a respeito das cláusulas limitativas e restritivas dos contratos de seguro de vida em grupo.

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Todos os processos individuais e coletivos no território nacional que tratem da matéria, afetados pelo tema, tiveram a tramitação suspensa até o julgamento na Corte Superior.

Já existiam diversos precedentes no STJ para responsabilização da empresa (estipulante) pela prestação das informações, já que possui vínculo mais próximo com os beneficiários (empregados ou associados). Contudo, diversas decisões contrárias à tese foram emitidas em tribunais estaduais, assim, se fez necessário para segurança jurídica o julgamento do tema repetitivo, que visava afastar das seguradoras o dever de fornecer informações acerca do contrato de seguro.

Na data de 02/03/23 o tema foi julgado, sendo o acórdão publicado em 10/03/2023, ficando definido e pacificado, por maioria (único voto divergente foi do Ministro Raul Araújo), que o dever de prestar informações prévias ao segurado a respeito das cláusulas limitativas e restritivas nos contratos de seguro de vida em grupo cabe apenas e unicamente ao estipulante — ou seja, a empresa ou associação que faz a contratação em favor de seus empregados ou associados.

Portanto, de acordo com esse entendimento, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça fixa tese na qual afasta das seguradoras o dever de fornecer tais informações ao grupo segurado, sendo que tal decisão tem cunho vinculante e deve ser aplicada por juízes e desembargadores nas instâncias inferiores.

Em seu voto, o Ministro Relator Ricardo Villas Bôas Cueva brilhantemente pontua:

“(…)

De início, o estipulante, possuidor de poderes de representação legal, contrata o seguro coletivo com a seguradora com vistas a facultar a adesão de um grupo de pessoas, geralmente a ele vinculadas previamente por relação empregatícia ou associativa.

Situação diversa é aquela da estipulação imprópria, em que o estipulante possui tão só vínculo securitário com o grupo segurado, de modo que as apólices coletivas, nesses casos, deverão ser consideradas apólices individuais no que concerne ao relacionamento dos segurados com a sociedade seguradora.

Assim, na estipulação própria, ao firmarem o contrato principal ou contrato mestre, tanto o estipulante quanto a seguradora negociam entre si e estabelecem os riscos cobertos, valores dos prêmios e das indenizações, prazos de carência, prazo de vigência, entre outras disposições, inclusive aquelas relativas às eventuais restrições de direito dos futuros segurados.

Nessa fase, o dever de informação pré-negocial e contratual é da seguradora junto ao estipulante, que deve ser esclarecido adequadamente acerca das cláusulas contratuais e produtos e serviços oferecidos no mercado (arts. 2º, VIII, “b”, e 3º, caput, e § 1º, V, VI e VIII, da Res.-CNSP nº 382/2020).

Concluída a etapa da formação da apólice mestre, o estipulante deve

formalizar as adesões, conferindo a qualidade de segurado às pessoas a ele vinculadas. É por isso que o estipulante é obrigado a manter atualizados, perante a seguradora, os dados cadastrais dos segurados, indicando as movimentações de entrada e saída do grupo segurado. De fato, o dinamismo dessa espécie de relação contratual enseja constantes adesões e desligamentos de pessoas no grupo segurado.

Desse modo, é essencial, na fase de adesões, o correto esclarecimento ao segurado em potencial do produto coletivo contratado, competindo ao estipulante bem exercer o dever de informação, inclusive quanto às cláusulas restritivas e limitativas de direitos.

No contrato de seguro individual, a seguradora conhece o proponente na fase de aceitação da proposta, antes de emitir a apólice. Já no seguro em grupo, a seguradora não conhece o aderente, pois sua inclusão no grupo segurado é feita pelo estipulante. Com efeito, somente após a adesão, com a emissão do certificado individual, é que o ente segurador toma ciência individualizada do segurado de apólice coletiva.

É dizer: antes das adesões das pessoas vinculadas ao estipulante, a

sociedade seguradora nem sequer pode identificar com precisão os indivíduos que efetivamente irão compor o grupo segurado, o que evidencia ser incompatível com a estrutura do contrato coletivo atribuir à seguradora o dever de informação prévia ao segurado, a não ser quando provocada especificamente e individualmente para tanto.

Logo, a obrigação de prestar informações a respeito de termos, condições gerais e cláusulas limitativas de direito estabelecidos no contrato de seguro de vida em grupo ao qual aderiu ao segurado (consumidor) é, pois, do estipulante. Tanto é assim que a adesão à apólice mestra, promovida perante o estipulante, deverá ser realizada mediante a assinatura, pelo proponente, de proposta, a qual deverá conter cláusula em que ele declara ter conhecimento prévio da íntegra das condições contratuais do seguro (art. 9º, parágrafo único, da Circular-SUSEP nº 667/2022). Além disso, conforme normas emanadas do ente regulador, o contrato coletivo deverá estar à disposição dos segurados quando da adesão à apólice coletiva, bem como ser a eles disponibilizado sempre que solicitado (arts. 9º, caput, da Circular-SUSEP nº 667/2022 e 7º, § 3º, da Res.-CNSP nº 434/2021).

Como cediço, “as condições contratuais deverão ter ordenamento lógico e ser expressas em linguagem clara, objetiva e de fácil entendimento, bem como deverão apresentar, com destaque, as obrigações e/ou restrições de direito do segurado” (art. 4º da Circular-SUSEP nº 667/2022).”

Tal entendimento, na prática, impedirá que segurados e beneficiários das apólices de seguro de vida coletivas – ao receberem negativa de pagamento caso sinistro não se enquadre em alguma das coberturas prevista na apólice – ajuízem ação diretamente em face das seguradoras, uma vez que a responsabilidade por essa omissão de informação quanto às coberturas deve ser imputada ao estipulante, que é quem discute os riscos cobertos, valores dos prêmios e das indenizações, prazos de carência, prazo de vigência e outras especificidades. Uma vez firmado o contrato-mestre, ele é aderido pelos segurados posteriormente.

Diferentemente do seguro individual – em que a pessoa física ou jurídica é quem contrata diretamente com a seguradora o interesse segurável mediante o pagamento do prêmio. O contrato de seguro coletivo é aquele contratado por um estipulante, que negocia com a seguradora o contrato mestre (ou principal), passível de adesão posterior por integrantes do grupo segurável, ou seja, nos seguros de vida em grupo, há a figura do estipulante, que é a pessoa natural ou jurídica que estipula o seguro de pessoas em proveito do grupo que a ela se vincula. Nessa modalidade contratual de seguros facultativos, o estipulante é mandatário dos segurados (art. 21, § 2º, do Decreto-Lei nº 73/1966).

Assim, o estipulante assume perante o segurador a responsabilidade pelo cumprimento de todas as obrigações contratuais, posto que somente o estipulante tem contato e se relaciona diretamente, sendo de sua responsabilidade informar os beneficiários tudo sobre o contrato e suas especificações firmadas com a seguradora.

E logicamente não poderia ser outro o entendimento, uma vez que nas apólices coletivas compete ao estipulante toda a negociação com a seguradora. É ele o responsável por negociar/discutir quais os riscos cobertos, valores de prêmio e indenizações, bem como repasse das informações mensais do quadro de segurados existentes mensalmente, etc. Por qual motivo, então, deveria ser da seguradora o dever de informar as cláusulas do contrato ao grupo segurado, sendo que tão somente o estipulante tem conhecimento de quem serão os segurados?

Desta forma, as teses firmadas e definidas foram as seguintes:

Na modalidade de contrato de seguro de vida coletivo, cabe exclusivamente ao estipulante, mandatário legal e único sujeito que tem vínculo anterior com os membros do grupo segurável (estipulação própria) a obrigação de prestar informações prévias aos potenciais segurados acerca das condições contratuais quando da formalização da adesão, incluídas cláusulas limitativas e restritivas de direito previstas na apólice-mestre.
Não se incluem no âmbito da matéria afetada as causas originadas de estipulação imprópria e de falsos estipulantes, visto que as apólices coletivas, nessas figuras, devem ser consideradas apólices individuais no que tange ao relacionamento dos segurados com a sociedade seguradora.

Por fim, a decisão do STJ só vem a corroborar com a teses enfrentadas pelas seguradoras, reforçando a importância do dever de informação do estipulante nos contratos de seguro coletivo, visando à proteção dos interesses dos segurados. Entretanto, o estipulante não representa o segurador perante o grupo segurado, exercendo papel independente das demais partes que participam do contrato.

Fontes:

REsp1.874.788/SC

REsp 1.874.811/SC

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