Médico comenta possibilidade de terceira onda da Covid-19, vacinação e chegada da variante indiana ao Brasil
Brasil registra mais de 450 mil vítimas pela Covid-19 desde o começo da pandemia
O Brasil ultrapassou a marca de mais de 450 mil mortes por Covid-19 desde o início da pandemia, número que o coloca até o momento como o segundo país mais letal do mundo durante a crise sanitária mundial.
Segundo Sérgio Zanetta, médico sanitarista e professor de Saúde Pública e Epidemiologia do Centro Universitário São Camilo, “com uma CPI a todo vapor, não se pode deixar de levar em consideração a discussão de outros assuntos que correm em paralelo sobre a atual situação do Brasil, que já deve se preparar para a terceira onda, com caso confirmado da cepa indiana, e que continua com baixo índice de vacinados em todo o território nacional”.
Terceira onda da COVID-19
A rede hospitalar está preparada para a terceira onda?
Sérgio Zanetta: A terceira onda, que se soma à segunda e à primeira, tem uma característica importante, porque se dá em alta velocidade de transmissão e nós mal saímos de colapso absoluto do sistema de assistência. Ainda temos falta de medicamentos para atuar com pacientes na UTI que precisam de sedativos e relaxantes musculares para serem intubados. Os hospitais públicos e privados estão com estoques muito pequenos. Portanto, eles não resistirão a uma nova pressão de demanda, o que justamente essa nova variante pode provocar.
Poderemos ter nova aceleração da transmissão e, como já estamos num nível muito elevado de transmissão comunitária, a tendência é de que vivamos um novo colapso no sistema de assistência, colapso da estrutura de internação e de UTI e colapso no suprimento de medicamentos apropriados para intubação, mais conhecido como kit intubação. É necessário que nesse momento, além das barreiras sanitárias e das medidas de controle da transmissão, como lockdown, quando tiver um aumento bruto, o Ministério da Saúde coordene uma ação nacional e internacional de reabastecimento de suprimento, da montagem de estoque regulador e protetor no País. Isso exigirá que nós tenhamos que comprar IFAs com ajuda de instituições privadas.
Por que a terceira onda é tão assustadora se temos a população mais idosa praticamente vacinada? Ela deverá atingir mais os jovens e as crianças?
SZ: As vacinas disponíveis foram testadas contra as variantes existentes no Brasil até então e temos observado uma boa resposta em relação à P1, a variante do Brasil que começou em Manaus, mas em relação às novas variantes que não foram testadas não temos como saber a cobertura da resposta imunológica para essas novas cepas. É sempre um risco. Precisamos lembrar que as vacinas não protegem 100% contra a transmissão, elas protegem muito contra as formas graves.
Não sabemos como será o comportamento da doença com essa nova cepa. É um momento muito grave, que exige das autoridades a antecipação dos problemas. Nós sabemos que vai faltar medicamento e a hora de agir é agora e não quando tivermos com a falta em si. Isso é desumano e antiético.
Variante indiana no Brasil
A variante indiana foi identificada em passageiros de um navio que chegou ao Maranhão. Essa nova cepa no Brasil aumenta a preocupação que já existe com a Covid-19?
SZ: A nova cepa indiana que chegou ao Brasil pelo Maranhão, com a ausência de barreiras nacionais, pode permitir a disseminação dessa e de outras novas cepas que surgirem pelo mundo. Falta controle nas fronteiras, falta controle sanitário nacional. O sistema de controle nacional está muito desarticulado e as iniciativas recentes do Ministério da Saúde são pouco práticas e efetivas. A variante indiana que entrou no Maranhão tem uma capacidade de transmissão 50% maior do que as cepas já conhecidas no Brasil e isso pode agravar a onda que estamos vivendo e acelerar muito a transmissão no País.
Essa cepa é muito perigosa do ponto de vista da rapidez como ela se dissemina pelas pessoas, aumentando a velocidade da infecção. Não podemos esquecer que nós estamos com um nível de transmissão comunitária muito elevada e estabilizada em nível muito alto. Elevações da transmissão significam reflexo na sobrecarga e possível colapso do sistema de atendimento.
As vacinas existentes hoje imunizam contra essa nova cepa?
SZ: Não sabemos sobre a cobertura das vacinas para a nova cepa. O que nós sabemos é que, quanto mais demoramos para vacinar a população, mais estamos transformando o Brasil em um celeiro de novas cepas, além das cepas que se desenvolvem por aqui, dadas as fragilidades nas barreiras sanitárias, fruto da desorganização do Ministério da Saúde.
O fundamental é que a gente consiga vacinar rapidamente. Senão, a única forma de interromper a transmissão de modo rápido e seguro é pelo bloqueio da circulação de pessoas. A falta de vacinas fará com que nós tenhamos que adotar sistemas de fechamento com mais frequência e cada vez mais duros.
O que nos falta é competência e gestão federal, porque essas medidas exigem articulação nacional, que precisa e deve ser feita pelo Ministério da Saúde.
A AstraZeneca e a Pfizer divulgaram recentemente que são protetivas contra a nova cepa da Covid-19. Como fica a Coronavac?
SZ: Existem informações preliminares infundidas de um estudo inglês que cita que essas vacinas teriam eficácia de 81% contra a cepa indiana. No entanto, esse estudo não foi publicado, mas apenas um comentário em um jornal inglês, que falava sobre esse estudo feito pelos britânicos.
Essa é uma questão complicada, como a Coronavac tem pouca produção, pouco estudos, ela acaba tendo menos rapidez nessa resposta, mas é possível que surjam em breve novos indícios sobre a Coronavac.
Vacinação no Brasil
É garantido que tenha disponibilidade da segunda dose das vacinas (CoronaVac, AstraZeneca e Pfizer) para todos?
SZ: Atualmente, temos cerca de 20 milhões de pessoas vacinadas com a primeira dose. É necessário fazer uma programação nacional e regional sobre a necessidades futuras dessas vacinas e o tempo necessário para que cheguem as segundas doses. É preciso também que haja coordenação nacional desse planejamento, que está sendo colocado em cheque devido à dificuldade de suprimento da matéria-prima necessária. É fundamental que, em um momento como este, o trabalho seja muito organizado, com informações precisas. Seria necessário que o Ministério da Saúde organizasse essas informações com bases nos dados dos Estados e Municípios para que se possa ter previsibilidade e tenhamos a ação mais equilibrada de distribuição das vacinas.
Houve um equívoco do Ministério da Saúde há alguns meses, quando orientou a aplicação imediata das doses que estavam reservadas como segunda dose, o que acarretou na falta de suprimento e na falta relativa de vacinas.
Como ter a garantia de que todos serão vacinados se não está havendo reabastecimento de Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) no ritmo necessário?
SZ: É preciso ter planejamento. É necessário parar de agir de modo adjetivo e objetivamente fazer o levantamento cuidadoso das doses aplicadas, e realizar programação mais protetora para garantir o suprimento das segundas doses. É evidente que tudo isso pode sofrer alterações devido à instabilidade da produção internacional, mas é necessário que seja feito o planejamento e a gestão cuidadosa e que haja acompanhamento eficaz do Governo. Quando mudarem as condições muda-se o planejamento.
No Brasil, para que haja planejamento é necessário que as autoridades cumpram com as suas obrigações. Seria fundamental que o Ministério da Saúde tivesse essa capacidade, mas se ele não tiver os Estados devem coordenar e ajudar a organizar esse processo.
O que falta para que o País possa planejar adequadamente a vacinação?
SZ: Um bom planejamento exige previsibilidade e controle. Como não tivemos iniciativas no ano passado para encomendar e comprar vacinas, hoje ele é feito com a perspectiva de entrega das vacinas, o que faz com que tenha que ser refeito periodicamente. É preciso levar em conta as contingências e as possibilidades de haver quebra na possibilidade de entrega.
O planejamento é algo dinâmico que precisa ser revisto o tempo inteiro. Ele exige organização e capacidade de gestão, o que o Governo Federal não dispõe. Nós temos informações que precisam ser integradas em nível nacional.
Mas de qualquer modo, o esforço de haver compartilhamento dos Estados e Municípios, por meio dos órgãos coletivos, pode dar a possibilidade de melhor previsão.
Planejamento e controle são coisas que o Brasil não tem.
Neste momento seria oportuno realizar contagem das vacinas e dos vacinados em todos os Estados, para projetar o volume necessário para a primeira e a segunda doses?
SZ: Os Estados podem e devem fazer um levantamento cuidadoso das doses distribuídas e administradas. É preciso ter organização de inteligência para esse processo. Isso não é difícil e existe a Rede de Vigilância Epidemiológica e de Vacina que deve ser usada. Basta organizar esse processo. É claro que tudo fica mais difícil, porque nós estávamos acostumados a fazer isso de modo integrado nacionalmente até agora. O Ministério da Saúde deveria imediatamente iniciar um processo de organização dessas informações, cooperando com Estados e Municípios. É possível saber a cada momento quantas doses faltam, de qual vacina e em cada local.
Como fazer essa conta se cada Município faz a sua distribuição e os dados não são concentrados no Governo Federal?
SZ: Os dados podem ser referidos nacionalmente, existem relatórios para isso. No entanto, para ter as informações em tempo hábil é necessário que haja um sistema de informações ágeis. O Ministério da Saúde poderia rapidamente montar um aplicativo alimentado por Estados e Municípios para que forneçam os dados para todos os entes federados. Hoje em dia existe tecnologia disponível e farta para se realizar o processamento rápido dessas informações. Isso requer agilidade. Além disso, poderíamos ter uma força-tarefa dos hospitais de excelência, filantrópicos, para financiar e operar esse sistema.
Se passarmos dos prazos para tomar a segunda dose das vacinas, sendo até 28 dias para a CoronaVac e 90 dias para a AstraZeneca e Pfizer, perderemos a eficácia de cada uma delas? A população terá que ser submetida à revacinação?
SZ: Nos ensaios clínicos temos estudos feitos com prazos determinados para a vacina. Então, nós temos medido a eficácia das vacinas com seus prazos estabelecidos e isso está documentado em trabalhos. Há evidências de que o prazo maior pode ser utilizado nessas vacinas, no entanto, isso não está documentado. A informação existente até agora é de que não há perda da primeira dose mesmo que você tome a segunda dose se passado o prazo. Esse reforço tende a ser válido. A orientação é, quando chegar a segunda dose da sua vacina, tome em qualquer que seja o tempo. A eficácia estará mantida, mesmo com prazo um pouco maior.
O Plano Nacional de Imunização deve ser reavaliado? Por quê?
SZ: O Plano Nacional de Imunização precisa ser reavaliado permanentemente nas suas metas para que ele seja claro e tenha execução padronizada no País. As quebras de planejamento por problemas de suprimentos têm feito com que haja atuação errática de Estados e Municípios, que acabam tomando decisões próprias porque falta coordenação federal. É uma desgraça nacional a falta de coordenação, que não significa mandar, significa comunicar, cooperar e trabalhar junto. É tudo que falta no Ministério da Saúde.