Dra. Laura Agrifoglio analisa licitude de Súmula do STJ que dispõe sobre embriaguez de segurado

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Sócia do escritório Agrifoglio Vianna acredita que Súmula 620 do STJ está na contramão da Lei 13.546/2017

É louvável e salutar intenção de que as Súmulas emanadas dos Tribunais Superiores, Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF), vinculem os Desembargadores e os Magistrados em geral, mas isso pode, por vezes, tornar-se um salvo-conduto para interpretações que são diametralmente contrárias aos dispositivos legais, e, o que é pior, como ocorre no tema aqui versado, lastreiam conduta criminosa do segurado.

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Diz a Súmula 620 do STJ do STJ que: “A embriaguez do segurado não exime a seguradora do pagamento da indenização prevista em contrato de seguro de vida”. Porém, o cerne do que queremos comentar não é a embriaguez em si, mas a prática de ato criminoso pelo segurado, quando dirige alcoolizado, muitas vezes em graus extremos, colocando a sua vida e a de terceiros em risco, o que, infelizmente, é comprovado à saciedade, pelo número de ocorrências com morte e lesões graves registradas neste vasto Brasil.

Uma coisa é o segurado estar embriagado e se acidentar tropeçando em sua residência. Embora se trate de um risco agravado diretamente pelo consumo de álcool, obviamente não cometeu nenhum crime e o STJ entende haver cobertura. Porém, coisa bastante diferente é o segurado dirigir embriagado, pois então ele estará, deliberadamente, cometendo um ato criminoso.

Todavia, o que tem sido decidido com lastro nessa Súmula, é que embora o segurado esteja dirigindo num estado quase que de coma, o último que antecede a esta condição, ainda assim, é conferido o direito à percepção da indenização, em afronta às disposições legais.

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Será que a prática de crime não é contrária à ordem pública, ao interesse coletivo e ao bem estar geral da sociedade? O que a sociedade repudia com mais veemência: um ilícito civil ou um ato criminoso?

A conduta de dirigir embriagado está expressamente tipificada no Código de Trânsito, no Artigo 306, e por sinal bem redigida quando refere “conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem”. A pena é de detenção de seis meses a três anos, sendo que, em caso de ocasionar lesão corporal passa a ser de reclusão de 2 a 5 anos e, se causar morte, a pena será de reclusão, de 5 a 8 anos, conforme dita a Lei 13.546/2017, que tornou mais rígida a penalização.

Portanto, o segurado pratica um crime, bem grave, ao dirigir alcoolizado. Basta ver as penas mais severas ora existentes para desestimular tal prática. A severidade da repressão é necessária já que o consumo de álcool causa mais de 16 mil mortes por ano no Brasil, conforme dados do Ministério da Saúde.

Não deveria haver dúvidas, pois, da perda à cobertura no caso do segurado de vida que dirija embriagado. Ao definir o Contrato de Seguro, o Código Civil é claríssimo ao delimitar a garantia do risco a interesse legítimo do segurado, o que está expresso no Artigo 757.

A predeterminação dos riscos no contrato de seguro, além dos quais o segurador não se responsabiliza, não pode ser elastecido, em contradição à determinação legal, a ponto de se tornar sem efeito a possibilidade de excluir dos riscos assumidos a “prática, por parte do segurado, de atos ilícitos ou contrários à lei”.

É de senso comum do cidadão, que não é possível proteger o consumidor a tal ponto, com tal abrangência, suprimindo os princípios legais e de direito, que a seguradora não possa sequer estabelecer uma exclusão de cobertura que se coaduna com o interesse coletivo. O crime não pode ter cobertura! Isso é contrário à Ordem Pública.

Há ainda mais um artigo legal, pontificando expressamente na Lei Substantiva, declarando nulidade no contrato caso o risco seja proveniente de ato doloso do segurado, do beneficiário, ou de um de seus representantes. É o Artigo 762.

Quem toma a direção de seu veículo após consumir álcool, bem sabe que está agindo criminosamente, e, se o faz, é deliberadamente, por seu arbítrio livre e deliberado.

Ora, não se trata, como a leitura da Súmula indica, ao ser lida sem aprofundamento, da exclusão de atos decorrentes do uso de álcool, mas, isto sim, da exclusão de atos ilícitos, quando se tratar de condução de veículo em estado de embriaguez. Que há de abusivo em uma seguradora fazer tal exclusão?

E onde fica a proteção das pessoas que gravitam em torno desse que ignorou a regra milenar de responsabilizar-se por seus atos quando colocam os demais em perigo?

Totalmente ignorada, pois a observar-se o entendimento insculpido no verbete sumular, dane-se a integridade e licitude que devem ser ínsitas aos contratos, mais ainda no de seguro, em que a lei destaca que “o segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes”.

Por que uma seguradora estaria obrigada, no Brasil, a cobrir atos criminosos de seus segurados? Não existe motivo jurídico que afete a existência, validade ou eficácia da cláusula excludente. A Lei ainda é a primeira fonte de direito no Brasil e a jurisprudência não pode revogar o decidido pelo Congresso Nacional.

Os segurados, ao firmarem o contrato de seguro, não possuem liberdade absoluta: eles têm o dever de agir de forma correta, hígida e comprometida, colaborando para levar a bom termo o fim comum do contrato. Decididamente, isto não se coaduna com a condução em estado de embriaguez.

Nem é preciso adentrar nas funestas consequências de quem dirige alcoolizado; diminui o senso de perigo, prejudica a acuidade visual, causa retardos nas reações psicomotoras, redução da atenção e perturbação dos reflexos com aumento do tempo de reação, mesmo em pequenas doses, ainda que o condutor não se dê conta do transtorno. No momento em que a reação rápida se faz premente, a lentificação cobra seu pesado custo com terríveis finais, assim como a indigitada Súmula cobra, também ela, de todos nós, oneroso preço pela fugaz alegria do ébrio.

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