Lúcio Roca Bragança: O cross selling pelo Corretor de Seguros e a LGPD
Confira artigo do advogado do escritório Agrifoglio Vianna
As informações constituem a matéria-prima para o seguro. As seguradoras se alimentam de dados para poder exercer a sua função de garantir riscos. Por sua vez, o Corretor de Seguros – por ser quem intermedeia a relação entre segurado e segurador – é aquele encarregado de fazer os dados circularem. Daí já fica fácil perceber que o setor de seguros é um dos mais afetados pela vigência da nova Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Diante das diversas questões atinentes ao uso de dados que surgem, uma que tem despertado especial atenção é a de cross selling. Trata-se de prática também conhecida como venda cruzada e que consiste em oferecer um produto ou serviço complementar àquele que o cliente já adquiriu. Pois muito bem, é lícita a sua utilização pelo Corretor de Seguros? Para respondermos a esta pergunta, faremos uma breve análise dos conceitos elencados na Lei Geral de Proteção de dados concernentes ao tema.
Inicialmente, cumpre notar que a LGPD estabelece uma diretriz muito clara para a obtenção de dados pessoais: o consentimento. Esta é a regra geral: para se valer dos dados pessoais de alguém, é preciso a sua autorização; as demais hipóteses de obtenção de dados constituem exceções permitidas pela Lei e que não têm aplicação ao caso sob estudo, tais como são as hipóteses de cumprimento de ordem judicial, proteção da vida, tutela da saúde, etc.
Além de disciplinar a obtenção, a norma estabelece 3 requisitos para a sua utilização:
- Finalidade: “Realização do tratamento para propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados ao titular, sem possibilidade de tratamento posterior de forma incompatível com essas finalidades”;
- Adequação: “Compatibilidade do tratamento com as finalidades informadas ao titular, de acordo com o contexto do tratamento”;
- Necessidade: “Limitação do tratamento ao mínimo necessário para a realização de suas finalidades, com abrangência dos dados pertinentes, proporcionais e não excessivos em relação às finalidades do tratamento de dados”.
Aqui já temos todos os subsídios necessário ao exame do tema proposto. Voltando então ao cross selling: após a venda de um seguro de vida, em percebendo que o Segurado não dispõe de plano de Previdência, o Corretor poderá oferecer tal plano ao mesmo cliente?
Ora, veja-se: a Lei Geral de Proteção de Dados não disciplina a oferta de seguros, mas o tratamento de dados, donde já se conclui que a oferta é permitida. O que não será possível é a utilização dos dados pessoais obtidos para fins específicos da primeira contratação na montagem da segunda oferta. Não será possível, assim, a utilização dos dados pessoais de que o Corretor já tem posse, como renda, patrimônio, ou mesmo filiação sindical, pois haverá um desvio de finalidade, adequação e necessidade frente ao consentimento outorgado para o primeiro contrato.
A oferta terá de ser genérica, sem se valer dos dados pessoais do segurado, a menos, é claro, que o corretor conte uma autorização de seu cliente para utilização de seus dados para outros fins, para além da contratação originária. Não há necessidade de formalismo quanto a essa autorização: desde que seja clara e objetiva em seu teor, qualquer forma passível de comprovação, como um e-mail, ou mesmo uma mensagem de WhatsApp será o suficiente.