De cada 100 empresas familiares, apenas 30 sobrevivem à sucessão entre a 1ª e 2ª geração

A falta de governança corporativa e familiar e do planejamento da sucessão é prejudicial à saúde das empresas de qualquer porte

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 90% das empresas brasileiras são familiares, as quais representam cerca de 65% do Produto Interno Bruto (PIB) e empregam 75% dos trabalhadores. Entretanto, a sucessão de cargos de chefia e liderança ainda é pouco discutida e planejada, o que resulta na instabilidade administrativa e econômica dessas empresas.

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De cada 100 empresas familiares abertas e ativas, apenas 30 sobrevivem à primeira sucessão e apenas cinco chegam à terceira. Diante deste cenário, a especialista em Governança Familiar e Gestão de Competências, Zélia Breithaupt Janssen, foi convidada a compartilhar a história empresarial de sua família, no 2º Encontro do Programa + Mulheres na Governança, realizado pelo Grupo Mulheres Executivas (MEX) e a Lapidus Network com patrocínio da PWC, na última sexta-feira (26). O evento reuniu 47 mulheres líderes para discutir e aprofundar o tema Círculo da Família, de John Davis.

A empresa da família da Zélia foi fundada pelo bisavô, há 95 anos, em Jaraguá do Sul/SC. Depois, quem assumiu a gestão foi seu avô, em seguida seu pai e seu tio. Posteriormente, houve uma tentativa de profissionalizar a empresa, com a contratação de um gestor de mercado. Hoje, a gestão da empresa é conduzida por seu irmão, membro da quarta geração da família.

Zélia compartilhou a história, usando o seu exemplo para ressaltar a necessidade da adoção de boas práticas de governança e planejar a continuidade de liderança. “O processo que permeia todo o trabalho de governança corporativa e familiar é a sucessão. Ninguém é eterno e todos, em algum momento, precisam deixar os negócios. Preparar a empresa e a família sobre quem irá coordenar todos os processos, quando a pessoa que liderava não estiver mais lá, é o maior ato de amor que um chefe de família, o fundador de uma empresa ou a pessoa que está deixando a posição de líder pode demonstrar pela empresa, pelo negócio e pela família”, explica.

A empresária Maria Bernardete Demeterco, filha do fundador da rede de supermercados Mercadorama, José Luiz Demeterco, também foi convidada a compartilhar sua história. Ela e seus dois irmãos herdaram a marca, que foi comprada pela Sonae Distribuição Brasil em 1998 e, depois de ser adquirida por outras empresas de administração, deixou de existir em 2021.

Segundo Maria Bernardete, para que as empresas familiares sobrevivam é necessário união e competência. “É essencial ter um cuidado em olhar as competências dos membros da família e, às vezes, deixar aquela pessoa que não tem tanta afinidade de fora dos processos administrativos, porque isso prejudica o desenvolvimento da empresa e toda gestão de governança, a atuação dos conselhos constituídos e até a sucessão de lideranças quando for necessário. Se esse membro da família estiver preparado para assumir tais funções, tudo bem. Do contrário pode ser prejudicial”, afirma.

Liderança e sucessão

O trabalho de governança tem como objetivo alinhar as percepções de todos os envolvidos nas lideranças das empresas familiares. Implantar esse modelo de gestão é o ideal para que o processo de sucessão, nas empresas familiares, aconteça de maneira transparente e amigável. Se as empresas não têm a sucessão planejada, sejam elas de pequeno, médio ou grande porte, ficam mais vulneráveis a passar por situações de crise e podem até chegar ao ponto de decretar falência.

Segundo a consultora de Famílias Empresárias e Empresas Familiares, Claudia Tondo, as empresas sofrem muito quando não têm um modelo de governança bem estruturado para encarar diversos gatilhos, como falecimentos, doenças, entre outras adversidades. “Quando houve o acidente do voo da TAM, em 2007, que saiu de Porto Alegre e não conseguiu pousar em Congonhas, vários líderes estavam presentes e acabaram morrendo. Muitas empresas fecharam por conta das adversidades trazidas pelos fatos, poucas que tinham a governança implantada conseguiram sobreviver”, compartilha Claudia.

Segundo a consultora, o poder seduz e na maioria das vezes, o fundador tem dificuldade em passar o comando de decisões para outras pessoas, mesmo sabendo que é necessário para manter a saúde dos negócios. “A melhor forma de conseguir convencê-lo é implantando a cultura do diálogo e com muito respeito e paciência, entender as razões pelas quais essa pessoa tem dificuldade em passar o bastão. Manter-se ocupado com outras atividades e desenvolver um novo projeto de vida, torna mais fácil todo o processo de sucessão”, orienta Claudia.

Mulheres na governança

Um levantamento feito pela Women Corporate Directors Foundation (WCD), entre 2021 e 2022, mostra que o número de mulheres nos conselhos no Brasil aumentou de 124 para 133, o que representa um crescimento pequeno de apenas 7%. Realizado em março de 2021, o Fórum Econômico Mundial divulgou um levantamento que aponta que serão necessários 135,6 anos para que haja paridade entre homens e mulheres no mercado de trabalho.

Claudia explica que o número de mulheres em cargos de governança é menor, pois ainda há muito preconceito. “As mulheres têm que estar muito bem preparadas para competirem aos cargos de governança com os homens. Mesmo dentro das empresas familiares as mulheres não são consideradas como a primeira opção para assumir a chefia, o que muitas vezes acaba passando para responsabilidade do filho homem”, esclarece.

A inclusão da diversidade é um problema em todos os lugares, inclusive nas empresas familiares. O empreendedor, conselheiro de empresas e pesquisador sobre pessoas e organizações, Claudio Garcia, explica que é necessária uma mudança de cultura nas gestões empresariais para que haja mais equidade de diversidade. “Mudanças culturais levam anos para acontecer, de alguma forma as organizações estão preocupadas em mudar essa realidade, mas para isso é necessário resolver esse sistema que é entendido como natural. Os processos de gestão são artifícios mentais. É possível criar novos processos e rituais dentro das empresas que podem acelerar esse processo”.

Claudio explica ainda que a definição de talento não tem nada a ver com a cultura criada, intuitivamente pelos homens. “Quando você começa a mudar essas regras, naturalmente as pessoas vão ser avaliadas de forma diferente, assim como a gestão de performance. Naturalmente a diversidade vai acontecer dentro da empresa ao longo do tempo”, finaliza.

Família, propriedade e gestão

Ao todo, serão cinco encontros em que especialistas do setor apresentarão reflexões sobre os Círculos de John Davis, que envolve os assuntos: Família, Propriedade e Gestão e como a governança pode ser uma propulsora nas três dimensões.

Representante do comitê no mês de agosto, Izabela Rucker Curi, ressalta o orgulho que sente por integrar o Programa +Mulheres na Governança ao lado de pessoas inspiradoras, como as participantes já se revelaram em nossas mesas redondas.

“As executivas compõem um público experiente e com o mesmo propósito de fortalecer as skills necessárias para aumentar a participação feminina nos Conselhos de Administração. Este segundo encontro teve como o objetivo despertar as participantes para o universo da governança corporativa e dar continuidade ao nivelamento de teoria e prática sobre o tema”, garante Izabela.

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